Sobre a Crase - breve devaneio
Fui ensinado que não se começa uma frase com crase. Que à crase é reservado um lugar de destaque, que tudo que tem crase é indicativo que lá vem coisa, ou seja, a crase não é um complemento neutro, associativo, cuja participação não ultrapassa a esfera de coadjuvante. A ela é dado o protagonismo, no máximo, e com participação equivalente, divide a cena com outro elemento importante. Assim como o verbo, que indica uma ação no presente, no passado ou no futuro, a crase, aponta algo por vir. É nesse sentido, um indicativo de suspense. A crase se comparada a um filme, um diretor, seria um Hitchcock ou um Janela Indiscreta. A crase inqueri, esmiuça para depois, como uma bomba, explodir em anúncios e expectativas! A crase é a modelo dona da passarela, todos os olhos estão nela. Imponente como a realeza, não se curva aos percalços da vida. Se algo acontece no imprevisto ato discursivo, sua aparição subverte o olhar e tudo se rearranja para que o ato seguinte, como numa cena de teatro, aconteça e o equilíbrio apareça. Ela é tão original que não admite repetição. Como se vê, a crase não gosta da monotonia, ela é adepta da inovação, da possibilidade do devir. Nisso o inesperado, como possibilidade e descoberta, aparece como se propusesse uma aliança para que a surpresa, ela, como resultado do inesperado, não assuste e permita novas experiências.
A crase, essa travessa dupla de As seguida de um acento agudo, quanta possibilidade, porém, a que predomina, a que se insurge contra as "normas" de bom comportamento, é a da imposição como regra de quem sabe o que quer. Enfim, é a crase a transmutação dos valores corriqueiros para uma nova realidade. É a realeza em toda sua pompa e circunstância, só isso.