olhar nas entrelinhas
os barulhos constantes de papel invadiam os meus pensamentos e me faziam questionar se eram os gatos ou alguma criança brincando com algo na rua. quando olhei para a janela para descobrir, havia duas pipas coloridas voando no céu. elas complementavam o céu nublado com o azul. enquanto as nuvens cinzas, quase sem vida, voavam também.
quando ouvi mais atentamente, ouvi as vozes dos rapazes que estavam as empinando, e para a minha (talvez) surpresa, não eram crianças. talvez adultos, talvez adolescentes, mas não eram crianças. talvez um sinal de que a infância esteja sempre em nós. um sinal de que as crianças estão presentes em tudo que é sentimento, e em todos os lugares.
agora na laje, outra pipa surge distante no céu, e em um processo quase lento, começam a se aproximar. até que em um momento, se enroscam, se prendem nas cores e na alegria umas da outras. as três voam, e voam, e voam. como se fosse o que resta para se viver tranquilamente.
tento subir a minha visão para ver os tais rapazes, estavam escondidos atrás das telhas laranjas da vizinhança. o cheiro de churrasco e família chega até mim como uma surpresa feliz. penso que não há nada mais brasileiro do que esse cenário, onde as pipas voam e a comida está sendo feita.
um cenário silencioso, porém, comunicativo. a linguagem oculta nos gestos é, além de simbólica, necessária. que os dias sejam cheios de cores e falas não ditas pela boca. que o brasileiro enxergue o amarelo como felicidade novamente.