Tão cego assim?

És tu cego ou só não queres ver o tímido botão que se desabrocha em tua plena vista?

És tu tão cego a ponto de teu cérebro tornar-se uma olaria que edifica teu templo sem janelas?

D'onde há de se trançar os fios de barbante que prendem as visões de nossas almas? Como isso pode ocorrer com tamanha muralha encravada em tua face na altura de tuas têmporas?

Ah! Quem dera tuas têmporas fossem nozes fáceis de se quebrar para que eu pudesse assim desativar a fábrica vil da completa ignorância, ingenuidade, sinceridade e falta de freios. Ah, grande locomotiva desgovernada que fere todos com esta urumi que conduz o ar que sai de tua boca, como eu queria isso.

Não pensas, por um instante se quer, que pisar em todo o jardim entristece o botão? Assim o faz de forma tal que seu desabrochar tem o prazo final arrastado pelas correntezas avassaladoras de um rio de horizonte infinito e cuja grandeza de sua infinitude é equiparável a tua capacidade de, com simples palavras de ferro, forjar grandes pregos de aço crucificadores do desabrochar deste singelo ser vivo.

Pergunto a ti de tão direta forma pois já não aturo mais tuas indelicadezas. Que mal? Me digas que mal faço para tu expores tudo aquilo que não se deve sair da boca de quem se ama?

Eis o botão de uma fina flor, talvez um cravo, talvez uma lavanda ou talvez uma singela violeta, quem sabe? Se há algo de especial no botão é que ele morrerá dilacerado por formigas e outros pequenos animais no processo inicial de uma bela teia trófica do amor. Uma fina flor que deve ser regada com confiança.

Talvez, apenas talvez, se não dissesses tanto sobre os espinhos das rosas, ou das pétalas sem vida dos lírios, ou também de como o caule das samambaias está flácido e caído, se nada disso tivesse ocorrido, talvez pudesses se maravilhar com as belezas sensoriais de uma flor sem igual.

Como é triste uma flor que nunca se desabrochou por inteiro, como é triste que todos os críticos em um só analisem e falem sem papas na língua sobre um livro que nada mais é do que o templo, a alma e o tudo do frágil botão.

Que os fungos tenham piedade e não ponham suas legiões contra todos os pequenos botões que permanecem fechados, pois estes só esperam a luz de uma nova estufa para desabrocharem. Sol? Já não é necessário, por mais que não seja recusado.

A flor sabe de sua beleza e poderia se admirar por horas no reflexo de um riacho. No entanto, este frágil ser continuaria a consumir a água já com falta de nutrientes do lago. Por isso é tão importante que o exutório dos rios das tuas emoções e sensações seja o lago onde o botão se alimenta e se observa. Sejas tu a renovação de um ciclo.

A flor pode ser consciente de sua beleza, mas como toda a alegria pode ser maior se compartilhada, a flor pode ter mais força pelos novos nutrientes vindo dos rios.

Mas é difícil do botão desabrochar-se diante de tantos ventos desfavoráveis, diante de tantas flores tão belas e de outras tantas que se assemelham um pouco com quem está prestes a se revelar, mas tens tu a completa inocência de ter tamanha competência para destruir as semelhantes.

Por que se mostrar se há a possibilidade de alguém usar a enxada da indiferença para tirar sua vida como se praga fosse?

Morra, broto, morra, mas desabroche para si, mesmo que pense que de nada vale se não houver quem te observe. É muito triste para uma flor não ser admirada, mesmo que se veja perfeitamente deslumbrante.

Entanto, seu choro a regará e a tornará mais forte, será muito bela, mesmo que em seu peito haja um vazio, algo que falte, algo que alguém inexistente pode lhe proporcionar.

Sois tão cego assim a ponto de não poderes ver que de todos os que criticam a literatura, este botão quer dar a própria celulose de seu corpo para fazer o papel que tuas mãos tocarão ao analisar a vida das flores?

Se sois tão cego a este ponto a flor nunca desabrochará em tua presença, mas apenas sozinha conseguirá ser a mais bela das flores, sem nenhum tipo de constrangimento.

Sozinho ou não, o botão tomará seu rumo e tu, só ou não, precisas apenas olhares com mais cuidado ao jardim que te cercas e procurares a beleza na delicada individualidade de cada ser vivo.

Se amedrontas a flor fechada com as críticas a outras, matas teu dedicado vegetal, mas ele nunca te fará a mesma ação condenável.

Carapuça
Enviado por Antonio Core em 30/07/2024
Código do texto: T8118619
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