ESCREVER É COMO SALTAR DA ALTA CACHOEIRA

Primeiro, há que se ter coragem, chegar até a borda. Depois, imaginar tudo o que vai acontecer quando você se jogar. O instante de um segundo entre a decisão e a propulsão. Em seguida, o mergulho. A imersão do corpo, o choque com a temperatura das águas. O deslocamento para o fundo, a profusão das bolhas quando não mais se consegue prender a respiração. Por último, o prêmio de vir à tona e finalmente encher de novo os pulmões!

A cachoeira é aquilo que o desperta para escrever e você nem sabe direito o que é.

Galgar as suas pedras até a borda é o tema enfim se definindo, é o assunto sobre o qual você vai redigir.

Pôr-se de pé na beira dessa queda d'água é o vacilante momento antes de começar a registrar suas ideias: a primeira tecla pressionada, a primeira marca da tinta da esferográfica no papel é o impulso do lançamento. A partir daqui não há volta: a expressão do pensamento flui.

Se o salto é elegante, estudado e tem perfeição de movimentos ou se é intuído conforme o susto e sua coreografia não foi ensaiada, isso define o estilo do texto.

E durante o mergulho ocorre a escrita. Você se mistura com as águas incessantes e por mais que tudo dure um instante apenas, parece eterno! Você se sente completamente envolvido e seus ouvidos se fecham para o mundo lá fora... captam-se as batidas do coração de modo louco e tudo se resume nas palavras que dele vão brotando.

Finalmente o texto está terminado e você pode respirar, aliviado? O processo pode ter sido dolorido, assustador... ou prazeroso. Nunca sabemos.

Às vezes, a margem está longe. É necessária a revisão, a releitura ou a reflexão sobre o texto findo. Algumas braçadas podem ter de serem dadas para o regresso seguro à terra- rotina. Outras vezes, é só sair delicadamente do lago que se formara com as fluidas palavras, pois a margem-satisfação está logo ali, pronta para o acolhimento.

Arranca-se a folha do caderno, retira-se o papel da Remington, imprime-se a página: fôlego renovado para os próximos mergulhos na arte de escrever.

*Texto escrito especialmente para compor o posfácio do livro As mais belas cartas de amor que não escrevi, de Aloísio Villar

Publicação em homenagem ao DIA DO ESCRITOR, 25 de julho