Gênesis Literário

Capítulo 1

¹ No princípio criou o Escritor o papel e a caneta.

² E o papel era sem forma e sem linhas; e havia vazio sobre a face da página; e a caneta do Escritor pairava por sobre as folhas.

³ E escreveu o Escritor: Haja palavras; e houve palavras.

⁴ E viu o Escritor que as palavras eram boas; e fez o Escritor separação entre o texto e o vazio.

⁵ E o Escritor chamou ao texto Frase; e ao vazio chamou Espaço. E foi a tarde e a manhã, o dia primeiro.

⁶ E escreveu o Escritor: Haja uma expansão na quantidade de frases, e haja separação entre palavras e palavras.

⁷ E fez o Escritor a expansão, e fez separação entre as palavras que estavam debaixo da expansão e as palavras que estavam sobre a expansão; e assim foi.

⁸ E chamou o Escritor à expansão História, e foi a tarde e a manhã, o dia segundo.

⁹ E escreveu o Escritor: Reúnam-se as frases sob a história num fluxo; e apareça o conteúdo sólido; e assim foi.

¹⁰ E chamou o Escritor ao conteúdo sólido Enredo; e ao fluxo de frases chamou Narrativa; e viu o Escritor que era bom.

¹¹ E escreveu o Escritor: Produza o enredo flora agridoce, parágrafos que deem prosa, e estrofes frutíferas que deem encanto segundo o seu perfume, cuja poesia está nelas sobre o papel; e assim foi.

¹² E o enredo produziu flora agridoce, parágrafos dando prosa conforme a sua essência, e as estrofes frutíferas, cuja poesia está nelas conforme o seu perfume; e viu o Escritor que era bom.

¹³ E foi a tarde e a manhã, o dia terceiro.

¹⁴ E escreveu o Escritor: Haja luminares na estrutura do texto, para haver separação entre a prosa e a poesia; e sejam eles para métricas e para formas determinadas e para ritmos e rimas.

¹⁵ E sejam como estrelas na estrutura do texto, para iluminar a história; e assim foi.

¹⁶ E fez o Escritor os dois grandes luminares: o luminar maior para reger a prosa, e o luminar menor para reger a poesia; e fez os detalhes brilhantes.

¹⁷ E o Escritor os colocou na estrutura do texto para iluminar a história.

¹⁸ E para reger a prosa e a poesia, e para fazer a separação entre a clareza e a obscuridade; e viu o Escritor que era bom.

¹⁹ E foi a tarde e a manhã, o dia quarto.

²⁰ E escreveu o Escritor: Produzam os pensamentos abundantemente fauna de alma fabulosa; e voem as ideias sobre a face da estrutura do texto.

²¹ E o Escritor criou as grandes criaturas, e todos os animais de alma fabulosa que os pensamentos abundantemente produziram conforme suas naturezas; e todas as ideias com asas conforme suas naturezas; e viu o Escritor que era bom.

²² E o Escritor os assinou, dizendo: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a história com Ação, Aventura, Comédia, Drama, Ficção, Suspense, Terror etc.; e as reviravoltas se multipliquem na história.

²³ E foi a tarde e a manhã, o dia quinto.

²⁴ E escreveu o Escritor: Produza o enredo personagens e objetos conforme suas naturezas; antagonistas, coadjuvantes e objetos diversos conforme suas naturezas; e assim foi.

²⁵ E fez o Escritor os personagens e os objetos; os antagonistas, os coadjuvantes e os objetos diversos conforme suas naturezas; e viu o Escritor que era bom.

²⁶ E escreveu o Escritor: Façamos o protagonista à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e que ele domine sobre os antagonistas, e sobre os coadjuvantes, e sobre a fauna, e sobre a flora, e sobre todo o objeto importante do enredo.

²⁷ E criou o Escritor o protagonista à sua imagem; à imagem do Escritor o criou; herói e heroína os criou.

²⁸ E o Escritor os assinou, e disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a história, e dominai-a; e dominai sobre os antagonistas, e sobre os coadjuvantes, e sobre a fauna, e sobre a flora, e sobre todo o objeto importante do enredo.

²⁹ E escreveu o Escritor: Eis que vos tenho dado todo o parágrafo que dê prosa, que está sobre a face de todo o texto; e toda a estrofe, em que há poesia, ser-vos-á para sustento.

³⁰ E a toda a flora da história, e a toda a fauna da narrativa, e a todo o objeto do enredo, em que há importância, todos os detalhes do texto serão para trama; e assim foi.

³¹ E viu o Escritor tudo quanto tinha escrito, e eis que era muito bom; e foi a tarde e a manhã, o dia sexto.

Capítulo 2

¹ Assim, a história, o enredo e todos os seus elementos foram concluídos.

² E havendo o Escritor acabado no dia sétimo a obra que fizera, descansou no sétimo dia de toda a sua criação literária.

³ E contemplou o Escritor o dia sétimo, e o imprimiu na memória; porque nele apreciou toda a sua obra prima.

⁴ Estas são as origens da história e do enredo, quando foram criados; no dia em que o Escritor concebeu a história e o enredo,

⁵ E toda a trama secundária que ainda não estava na narrativa, e toda a ideia que ainda não brotara; porque ainda o Escritor não tinha desenvolvido todas as partes da história, e não havia público para vivenciar a trama.

⁶ Uma inspiração, porém, surgia da mente do Escritor, e rabiscava a face da página.

⁷ E formou o Escritor o protagonista do rascunho da imaginação, e escreveu em suas narinas o fôlego da vida; e o protagonista foi feito alma vivente.

⁸ E plantou o Escritor um jardim no Éden literário, do lado oriental da história; e pôs ali o protagonista que tinha formado.

⁹ E o Escritor fez brotar da imaginação toda a árvore agradável à vista, e boa para a narrativa; e a árvore da inspiração no meio do jardim, e a árvore do bloqueio criativo.

¹⁰ E saía um rio de dramaturgia do Éden literário para regar o jardim; e dali se dividia e se tornava em quatro braços.

¹¹ O nome do primeiro é Roteiro; este é o que beija toda a terra da Criatividade, onde há ideias de ouro.

¹² E as ideias dessa terra são preciosas; ali há a clareza de pensamento e a profundidade de sentimento.

¹³ E o nome do segundo rio é Palco; este é o que abraça toda a terra da Imaginação.

¹⁴ E o nome do terceiro rio é Ator; este é o que corre para o lado artístico da Interpretação; e o quarto rio é o Público.

¹⁵ E tomou o Escritor o protagonista, e o pôs no jardim do Éden literário para desenvolver e guardar a narrativa.

¹⁶ E ordenou o Escritor ao protagonista, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente,

¹⁷ Mas da árvore do bloqueio criativo, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente perderás o rumo da história.

¹⁸ E escreveu o Escritor: Não é bom que o protagonista esteja só; far-lhe-ei uma companheira idônea para ele.

¹⁹ Havendo, pois, o Escritor formado da imaginação todos os antagonistas, coadjuvantes e animais, os trouxe ao protagonista, para este ver como lhes chamaria; e tudo o que o protagonista chamou a toda a alma vivente, isso foi o seu nome.

²⁰ E o protagonista pôs os nomes a todos os antagonistas, coadjuvantes e animais do enredo; mas para o protagonista não se achava companheira adequada.

²¹ Então o Escritor fez cair um sono pesado sobre o protagonista, e este adormeceu; e apagou uma das suas linhas, e aplicou a tinta em seu lugar;

²² E na linha que o Escritor apagou do protagonista, escreveu uma companheira, e trouxe-a ao protagonista.

²³ E disse o protagonista: Esta é agora traço dos meus traços, e tinta da minha tinta; esta será chamada coprotagonista, porquanto do protagonista foi tomada.

²⁴ Portanto deixará o protagonista o seu Escritor e o seu público, e apegar-se-á à sua coprotagonista, e serão ambos um poema.

²⁵ E ambos estavam em branco, o protagonista e a sua coprotagonista; e não se envergonhavam.

Capítulo 3

¹ Ora, a Fantasia era mais falsa que todos os gêneros literários que o Escritor tinha criado. E esta disse à coprotagonista: É assim que o Escritor disse: Não comereis de toda a árvore do jardim?

² E disse a coprotagonista à Fantasia: Do fruto das árvores do jardim comeremos,

³ Mas do fruto da árvore do bloqueio criativo, disse o Escritor: Não comereis dele, nem nele tocareis para que não percais o rumo da história.

⁴ Então a Fantasia disse à coprotagonista: Certamente não perdereis o rumo da história.

⁵ Porque o Escritor sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como o Escritor, conhecendo o bloqueio criativo.

⁶ E viu a coprotagonista que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento; tomou do seu fruto, e comeu, e deu também ao seu protagonista, e ele comeu com ela.

⁷ Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam em branco; e criaram folhas de papiro, e escreveram para si textos incompletos.

⁸ E ouviram a voz do Escritor, que revisava a narrativa pela viração da página; e esconderam-se o protagonista e sua coprotagonista da presença do Escritor, entre as folhas do livro.

⁹ E chamou o Escritor ao protagonista, e disse-lhe: Onde estás?

¹⁰ E ele disse: Ouvi a tua voz na narrativa, e temi, porque estava em branco, e escondi-me.

¹¹ E o Escritor disse: Quem te mostrou que estavas em branco? Comeste tu da árvore que te ordenei que não comesses?

¹² Então disse o protagonista: A coprotagonista que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e eu comi.

¹³ E disse o Escritor à coprotagonista: Por que fizeste isto? E disse a coprotagonista: A Fantasia me enganou, e eu comi.

¹⁴Então o Escritor disse à Fantasia: Porquanto fizeste isto, maldita serás mais que todas as incertezas, e mais que todas as subtramas do enredo; sobre a ambiguidade andarás, e deturparás a história todos os dias da tua vida.

¹⁵ E porei inimizade entre ti e a coprotagonista, e entre a tua criação e a sua criação; esta te apagará o ponto final, e tu lhe apagarás a vírgula.

¹⁶E à coprotagonista disse: Multiplicarei grandemente a tua dor na criação de novas histórias; com dor desenvolverás enredos; e o teu desejo será para o teu protagonista, e ele te reescreverá.

¹⁷ E ao protagonista disse: Porquanto deste ouvidos à voz de tua coprotagonista, e comeste da árvore que te ordenei, dizendo: Não comerás dela, maldita é a história por causa de ti; com dor a desenvolverás todos os dias da tua vida.

¹⁸Falácias, e clichês também, te produzirá; e consumirás o fruto da tua criatividade.

¹⁹ No suor do teu cérebro criarás a tua obra, até que te tornes à inspiração original; porque dela foste tomado; porquanto és ideia e em ideia te tornarás.

²⁰ E chamou o protagonista o nome de sua companheira Eva; porquanto era a mãe de todos os viventes.

²¹ E fez o Escritor ao protagonista e à sua coprotagonista pergaminhos de cordeiro, e os vestiu.

²² Então disse o Escritor: Eis que o protagonista é como um de nós, conhecendo o bloqueio criativo; ora, para que não que estenda a sua mão, e tome também da árvore da inspiração, e coma e viva eternamente na dúvida,

²³ O Escritor, pois, o lançou fora do jardim do Éden literário, para cultivar o rascunho de que fora tomado.

²⁴ E havendo lançado fora o protagonista, pôs críticos ao oriente do jardim do Éden literário, e uma caneta flamejante que andava ao redor, para guardar o caminho da árvore da inspiração.

Capítulo 4

¹ E Adão juntou-se com Eva, sua coprotagonista, e ela concebeu e deu à luz a Caim, dizendo: "Alcancei do ESCRITOR um neologismo homem."

² E deu à luz também a seu irmão Abel. Abel foi pastor de poesias e Caim foi lavrador da prosa.

³ Ao cabo de capítulos, Caim trouxe do fruto da prosa um texto ao Escritor.

⁴ E Abel também trouxe dos primogênitos das suas poesias, e do seu eu-poético; e atentou o Escritor para Abel e para a sua poesia.

⁵ Mas para Caim e para a sua prosa não atentou. E irou-se Caim fortemente, e descaiu-lhe o semblante.

⁶ E o Escritor disse a Caim: Por que te iraste? E por que descaiu o teu semblante?

⁷ Se escreveres bem, não é certo que serás lido? E se não escreveres bem, o erro jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar.

⁸ E disse Caim a Abel, seu irmão: Vamos ao campo. Estando eles no local do enredo, sucedeu que se levantou Caim contra Abel, seu irmão, e o apagou com uma borracha.

⁹ E disse o Escritor a Caim: Onde está Abel, teu irmão? E ele respondeu: Não sei; sou eu escritor do meu irmão?

¹⁰ E disse o Escritor: Que fizeste? A voz da tinta de teu irmão clama a mim desde a trama.

¹¹ E agora maldito és desde a trama, que abriu a sua boca para receber da tua mão a tinta de teu irmão.

¹² Quando lavrares a prosa, não te dará mais a sua força; fugitivo e desprezível serás na trama.

¹³ Então disse Caim ao Escritor: Meu papel de vilão é maior do que o que possa ser suportado.

¹⁴ Eis que hoje me lanças da face da trama, e da tua face me esconderei; e serei fugitivo e desprezível na trama, e será que todo aquele que me ler, me apagará.

¹⁵ E o Escritor disse-lhe: Portanto, qualquer que apagar a Caim, sete vezes será apagado. E o Escritor pôs um ponto em Caim, para que o não apagasse qualquer que o lesse.

¹⁶ E saiu Caim de diante da face do Escritor, e habitou na terra de Node, do lado oriental do Éden literário.

¹⁷ E conheceu Caim a sua esposa, e ela concebeu, e deu à luz Enoque; e ele edificou uma cidade, e chamou o nome da cidade conforme o nome de seu filho, Enoque.

¹⁸ E a Enoque nasceu Irade; e Irade gerou a Meujael; e Meujael gerou a Metusael; e Metusael gerou a Lameque.

¹⁹ E tomou Lameque para si duas mulheres; o nome de uma era Ada, e o nome da outra Zilá.

²⁰ E Ada deu à luz a Jabal; este foi o pai dos que habitam em tendas e possuem gado.

²¹ E o nome do seu irmão era Jubal; este foi o pai de todos os que tocam harpa e flauta.

²² E Zilá também deu à luz a Tubalcaim, mestre de toda obra de bronze e de ferro; e a irmã de Tubalcaim foi Naamá.

²³ E disse Lameque às suas esposas: Ada e Zilá, ouvi a minha voz; esposas de Lameque, escutai as minhas palavras; porque eu apaguei um homem por me borrar, e um jovem por me criticar.

²⁴ Se Caim será apagado sete vezes, Lameque o será setenta vezes sete.

²⁵ E conheceu novamente Adão a sua esposa, e ela deu à luz um filho, e chamou o seu nome Sete; porque, disse ela, o Escritor me deu outro filho em lugar de Abel, porquanto Caim o apagou.

²⁶ E a Sete também nasceu um filho, e chamou o seu nome Enos; então se começou a divulgar o nome do Escritor.