Olhos que já viram demais
Era tarde da noite quando me encontrei diante do espelho, perdido no abismo dos meus próprios olhos. Eles me devolviam um olhar que eu nunca antes percebera, carregado de uma intensidade que parecia sussurrar segredos ancestrais. Algo estava errado, um enigma além do meu entendimento.
Aproximei-me, tentando decifrar a diferença, a estranheza. Os olhos no espelho estavam cansados, exaustos de um fardo invisível, como se tivessem testemunhado horrores que minha alma sequer podia imaginar. Pisquei, mas a inquietação persistia. Cada piscada revelava novas imagens, fragmentos de pesadelos vívidos.
Florestas assombradas, cidades desertas, rostos distorcidos pela dor. Eram lugares desconhecidos, mas que meus olhos pareciam conhecer intimamente. Sentia uma dor profunda, que não era minha, mas que me possuía. Tentei me afastar do espelho, mas meus pés estavam presos, enraizados em um medo primordial.
O reflexo, agora um carcereiro, mantinha-me cativo. Os olhos continuavam a me encarar, carregados de uma sabedoria terrível. "Me parece que seus olhos já viram demais", pensei. E, então, compreendi: aquelas visões eram memórias de algo além de mim, algo que agora habitava em meu ser, algo que me escolhera como seu portador.
Os olhos no espelho finalmente se fecharam, e a escuridão me envolveu, consumindo-me.
Fim