Intenso contato
A pele é um órgão demasiadamente importante. Composta por três camadas, nos protege da entrada de bactérias e fungos, de ações mecânicas e químicas danosas e tudo aquilo que possa danificar nossos sistemas internos vitais, esses são como frágeis senhoras idosas protegidas do frio por grossas mantas.
Dentre suas funções, a mais fácil de se compreender pela a maioria dos seres humanos é a de proporcionar o sentido do tato. Ah, esse sentido maravilhoso ocorre por conta das terminações nervosas existentes na pele, que nos permitem sentir o calor, pressão, o movimento dos pelos, a dor e o toque.
Mas, se a epiderme nos protege de danos de causas materiais, são os receptores táteis que permitem a absorção de prazerosas, quando queridas, informações que são os abraços, cafunés, carinhos, massagens, beijos, carícias, cumprimentos dos mais variados, afagos e sem dúvidas as interações com as zonas que homenageiam o marido de Psiquê, essas últimas que existem apenas para proporcionar informações luxuriosamente prazerosas.
Tudo isso faz com que sejam produzidos no corpo hormônios como dopamina e serotonina. Mas isso qualquer pessoa pode potencialmente proporcionar nas mesmas quantidades ou em variações próximas. Já para mim, nenhum toque supera o toque feito pela pessoa amada… e que te ama.
E aqui não faço distinção de algo casual e algo mais comprometido, por assim dizer. O importante é que você saiba que essa pessoa te deseja e que é desejada por você, só por esse motivo os hormônios já fazem festa! Mas é somente quando isso é somado ao prazer do toque que nos despimos de qualquer norma civilizatória e atendemos as calorosas demandas de nossos instintos. É mais intenso, é mais complexo e é mais bonito do que apenas um abraço dado por um completo desconhecido.
Ah, como eu amo arrastar minha pele contra a de quem eu amo, e me ama, num abraço tal qual placas tectônicas em limites transformantes. Ah, como é bom quando meus receptores táteis sentem a pressão desse corpo contra o meu, como se nossos templos fossem se unir num único amontoado de tijolos, britas, vigas de madeira e pregos de metal. Quem dera o nosso tectonismo fosse capaz de nos dobrar como minerais em rochas!
Em nosso mundo as rochas podem sofrer o intemperismo físico pelo atrito e serem erodidas, processos que resultam em solos. Como eu amo saber que através do arrastar de nossos corpos, que se comprimem e se percorrem carinhosa ou violentamente, se desgastam as células mortas formando o nosso próprio solo fértil de desejo, paixão e ternura, do qual nascerá as pioneiras vegetações dessa necessidade mútua de se sentir mais e mais, como se nessa vegetação houvesse toda a papoula suficiente para nos viciar nessa prospecção de estímulos através do contato.
E falando em vegetação, tal qual uma jovem árvore sedenta por água que a suga desesperadamente pelo xilema, meu corpo grita com a necessidade de absorver toda a informação do toque de quem amo pelo meu sistema nervoso e intoxicar meu cérebro de hormônios produzidos por essa divina, mas socialmente diabólica, interação.
Quem dera o mundo fosse cubista e assim possibilitasse que nós nos encostássemos e, ao mesmo tempo, nossos corpos sentissem toda a extensão um do outro e todos os nossos receptores táteis fossem estimulados… ah, sim… seria perfeito. Seria perfeito também se o mundo fosse surrealista e nossos corpos não tivessem sentido, podendo ser dois mas que também existissem como um, um único corpo que não sentiria apenas a própria superfície, mas que tocaria aquilo que sentiríamos no interior de nossas existências.
Ah, sim! O caos! Amo o caos do meu cérebro no processo de entender dois prazeres ao mesmo tempo, o de ser objeto de desejo e amor de quem desejo e amo e o de receber o toque, apenas o toque, pois não importa se é com intensidade ou não. Uma suave carícia e unhas sendo fincadas em minha pele causam o mesmo efeito de jogar minha compreensão de mundo na lixeira. Causam o mesmo efeito de me empurrar para o abismo sem fundo das sensações cujo ar extremamente denso preenche cada entrança de meu ser e quanto mais caio, mais dele me preenche até que eu exploda em irracionalidade instintiva!
Como cansa… como cansa sentir… mas como é infinitamente mais prazeroso do que viver na privação disso. Para mim, sentir é como respirar, é se deliciar ao sentir o ar ao respirar. Alguém aqui já se cansou de respirar? A bem da verdade, esse ato só perderia o sentido se nada mais pudesse ser sentido.