Construção

Se você soubesse das tempestades dentro de casa, da nevasca bradando sua alva ardência sob o quarto da ala esquerda, do grande vazio que se abriu na sala formando um poço sem fundo, que assopra fervendo para cima e deixa as paredes em brasa, as lâmpadas não estão funcionando, a campainha muda está e ficou; que a velha casa implode todas as estações, planetas, problemas, furacões, ardor. Ardor de febre, de cebola branca grande, de pimenta dedo-de-moça, de sol quente de meio-dia, de ferro quente quentando no passador. Se soubesse que a cama está mofada, tomada por ácaros, suja, com roupas sujas em cima e lençóis entrelaçados um no outro de uma forma tão singular, tornando a carnificina do antro da primavera, chuva desavisada e lama e escorregões. Se eu pudesse te contar que lá no fundo há coisas que eu jamais havia conhecido, objetos distintos de lugares inimagináveis, um museu no quartinho e tudo parece azulado por conta do vitral que pedi para que fizessem somente para aquela sala sagrada de arte. Se você pudesse sentir o rio que corre no banheiro, tanta escuridão, garrafa, lata, sacola, caixa d'água ou pedaços dela, gotas de xixi de algum desconhecido. Não chego a lugar algum, são as possibilidades que penso, o que tentaria consertar primeiro? Mas se quisesse carregar tijolos, areia, cimento, a casa não teria caído.