Um Livro Chamado Tempo
Sob a luz tênue da lamparina, uma criança se aninhava entre as pernas de seus pais e avós, absorvendo cada palavra que saía de suas bocas. As histórias eram janelas para mundos distantes, universos onde o impossível tornava-se tangível e o ordinário se transformava em magia. Cada noite era uma aventura diferente, onde monstros e heróis dançavam na imaginação da criança, e o riso e a curiosidade misturavam-se em um abraço quente e familiar.
O tempo, esse mestre invisível, tecia suas tramas sem que ninguém percebesse. A criança crescia, mas as histórias permaneciam, alimentando sua alma com sabedoria e encanto. Um dia, porém, um brilho novo surgiu em seus olhos, uma centelha de descoberta que transcendia a inocência infantil. Ao folhear as páginas de um velho livro esquecido na estante, percebeu algo surpreendente: lá estavam seus pais, seus avós, e, para seu espanto, ela própria.
Não era mais apenas ouvinte, mas também narradora e personagem desse grande volume chamado Tempo. A princípio, o susto trouxe um calafrio, mas logo cedeu lugar a uma compreensão mais profunda. As histórias que tanto a fascinavam eram, na verdade, fragmentos da sua própria existência, reflexos do ciclo interminável de vida e memória.
Entendeu então que cada conto contado pelos mais velhos era um fio tecido na tapeçaria do seu ser, cada riso compartilhado uma nota na sinfonia da vida. Compreendeu que a própria existência é uma narrativa em constante evolução, onde o passado se encontra com o presente e projeta o futuro.
Ao aceitar seu novo papel, encontrou uma liberdade antes inimaginável. Não estava apenas ouvindo as histórias, estava criando-as, vivendo-as, tornando-se parte do fluxo incessante do tempo. Cada escolha, cada palavra, cada gesto tornava-se uma linha escrita nesse livro sem fim, dando margem à infinitas possibilidades. Era uma dança entre o efêmero e o eterno, onde a finitude humana se entrelaçava com a imortalidade das narrativas.
E assim a criança, agora narradora e personagem, abraçou sua jornada com um sorriso sereno. As histórias que contava, embora ainda leves e divertidas, carregavam um novo peso, uma profundidade moldada pela consciência de ser parte de algo maior.
No livro chamado Tempo, todos somos personagens e contadores, tecendo juntos a vasta tapeçaria da existência.
Fim