Quando a inspiração acorda
Hoje o dia não amanheceu. Embora os ponteiros do relógio dissessem o contrário, sob o manto negro da noite, o dia continuava dormindo. O céu permanecia escuro com jeito de chover palavras, dessas que não existem nos dicionários por estarem enraizadas na boca da magia, nas cordas das liras dos anjos e no assovio dos ventos.
Eu bem que desconfiava que apesar de toda aquela escuridão as portas do céu já estavam abertas e os sorrisos dos anjos desabotoados e prontos para contar a conta gotas o segredo das nuvens nimbos engravidadas por trovões. Pingo a pingo a chuva começou a nascer e o cheiro de violetas que exalava dela ascendeu a inspiração que dormia em mim em um ninho construído sob as gotas de orvalho desmolhados pela magia da noite. Como um peixe elétrico que acabara de escapar do anzol voou rápido e fundiu-se aos raios de poesia que riscavam o céu, para em seguida pedir asilo a um caramujo risonho que despreocupado vadiava na orla do meu sorriso alagado de memórias, palavras e saudade.
Nuvens violináceas disputavam espaço com meus olhos errantes que confusos pelo atraso do sol perderam o senso de orientação e se fez rima.
Rapidamente meu terreiro de fantasia tornou-se regato de água cristalinas repleto de peixinhos lilases que com suas galochas coloridas brincavam de pular versos.
Numa poça de lua cheia um jacaré sonâmbulo flertava com algumas letras escarlates que se exibiam para a inspiração que devagarinho se aproximava.
Eu extasiada com tanto encanto sentia-me nascendo e ao mesmo tempo morrendo por ser atingida com tamanha força por raios carregados de tanta energia metafórica.
Embriagada de beleza caminhei à beira da noite prestes a cair no abismo do dia forrado de gerândios amarelos e pequenos girassóis rasteiros.
Desarmada de realidade e nua de medo estiquei os braços e colhi palavras frescas que como pássaros enfileiravam-se na linha do horizonte corjeando canções nostálgicas com cheiro de telhado molhado e poesia.