COMO SE FOSSE PRIMAVERA
Até então, só sabia ser passarinho.
Nascera com o dom da vida e, tão logo aprendera a voar, guiava-se apenas pelos nasceres e pores do sol.
Embora frágil tinha olhos "de lince" porque enxergava de longe a extensão do espaço que lhe parecia ser apenas dele.
Certa vez, ao avistar a Lua, acreditou ser ela os resquícios dum grande olho, qual um farol da luminosidade , a que insistia em pairar sobre toda a escuridão passageira. Olhou e ficou maravilhado com a luz na noite...
Por ser passarinho, desses seres dotados com as asas da ingenuidade, embora notasse algumas mudanças no seu cenário, nada entendia sobre impermanências.
Aos poucos voava...e também aprendia a não despencar dos voos mais improváveis.
Acreditava que fora feito apenas para pairar e encantar...e tal lhe bastava.
Com o tempo, seguia a aprender com o mesmoTempo, o GRANDE PROFESSOR DAS EXISTÊNCIAS, e ainda não sabia ser seu mestre o relógio natural que a tudo imperceptivelmente transforma.
Todavia, também não entendia dessas coisas de estações climáticas definidas, apenas sobrevoava o perfeito ciclo do tempo no prazer de, lá de cima, enxergar a diversidade das matas.
Todas as luzes e as escuridões lhe soavam milimetricamente calculadas.
Certo dia, percebeu que também era dotado com o dom de ter voz. Mas não na língua dos Homens.
Aprendeu que soava seu poético timbre de lamento, tão somente nas manhazinhas de Primavera, quando o relógio do tempo lhe permitia cantar a estação das flores e, logo mais, já sabia ele que adormeceria seu canto sob os ventos frios do Inverno que lhe soprariam adiante, no exato ciclo dos tempos.
Às vezes, disputava gentilmente seu espaço de voo com as folhas do Outono, as que lhe entrecruzavam no vento, mas já aprendera que elas voltariam verdes às suas árvores, tão logo o Verão surgisse dos horizontes taciturnos.
Era passarinho, sentia...mas nada sabia das impermanências.
Certo dia de Junho, embora num dos exatos Solstícios, despertou num berço dum Sol que vinha de lá Dum horizonte amarelado e quente.
Acreditou que poderia voar, era feliz.
Então, alçou voo e soou seu canto, costumeiro e inconfundível, por toda a madrugada da Terra.
O mundo estranhou seu canto anacrônico.
De repente ventou frio e ele, apenas passarinho, se desequilibrou de suas frágeis asas e tombou no todo que lhe pertencia.
Até então ele só sabia ser passarinho.
Sabia que sabia ser, voar e cantar.
Nada entendia de predadores do tempo...
E por nada mais saber acreditou ser eternamente... só SABIÁ.
Até aquele dia, ele nunca soube que, embora enganado por um primaveril Solstício de Inverno , ele só aprendera a voar e a cantar como se legítima Primavera fosse...
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Nota do autor: inspirado pela vida.
Há dias, um atordoado Sabiá canta por aqui, na atmosfera da manhã, acreditando ser Primavera em pleno Outono; inclusive hoje, no solstício do Inverno.