o piso falso
O piso falso. A queda. A existência que se esgota num simples piso falso, e a queda. A transformação, um novo, e já talvez, velho existir que se apresentou por causa do piso falso e da queda. A queda, resultado concreto de um novo, e trágico por vir, porque não planejado. A queda possibilita que ao se deparar com a queda, o sujeito, cego e automatizado, realize suas ações sem pensar nas consequências. Não imagina se suas ações repercutem na vida das pessoas, não imagina, porque não interessa imaginar, se as pessoas, sem distinção de credo ou raça, saberão o que lhes causa o que sentem. Porém, é necessário imaginá-las felizes ou tristes, imaginá-las, somente, e sem nenhum apreço pelo que pode significar o resultado. Não é o resultado que se leva em consideração, é o desfecho, o sentir na pele a chicotada, a sacolejada, o puxão de cabelo, sem dó, sem piedade, é disso que se trata, dar o puxão e ver o que acontece. Sentir, quem sabe, sentir e não querer saber mais nada, só sentir e desfrutar, como um pervertido sem escrúpulos, a dor, ou, ao menos, a sensação de dor, para, às escondidas, ou, até mesmo, às gargalhadas, vibrar! Não. Não passa pela sua cabeça a mínima possibilidade de se congratular, de estender a mão em socorro. Não. Isso é coisa de gente fraca, sentimental, de gente sem fibra, sem altivez. Assim, como quem existe somente a partir de sua própria visão, de sua auto -contemplação, como se, para sua vã filosofia, escassa de sentido, nada mais é que um existir em si mesmo, sem contraponto, sem anteparo. Um ser vazio, oco como o tronco da árvore atacado por cupins, assim é esse sujeito que se auto -enxerga como se fosse o último elo, ou mais, o Elo perdido de toda nossa existência. Acha ele, em toda sua plenitude, que, a partir de sua visão, e de mais ninguém, o mundo, diverso por sua própria lógica, é o que é porque ele lhe dá sentido. Um ser assim, e há tantos assim, não considera o dia seguinte como o oferecimento de um novo por vir, simples e sem grandes equações, que tão logo nasça o Sol, e tão logo, para brindar tantas outras possibilidades de coexistência, ouçamos o canto do sabiá, e assim, como quem não tem pressa de chegar, saibamos: nada se faz sem que outro esteja junto.
Então, o piso falso e a queda, como uma lousa sempre a nos lembrar, não será necessariamente o anúncio do fim, mas, talvez - e o "talvez", como sempre possibilidade-, o início da caminhada.