- Acorda! O tempo. O tempo! Acorda...
- Piuiiii! Piuiiii!
Trem de ferro fazendo participação especial no show da vida como despertador da menina.
À buzina, despontava a esperança, vestida de uniforme engomado, saia pregueada e camisa branca de linho nobre.
Contra um relógio apressado, persegue o tempo para alcançar os quilômetros que separa o sonho de ascensão (tão almejada pelos que deram a ela um nome) da materialização.
- Pra janela! dizia o avô com alegria.
À espera de um aceno do maquinista, debruçava-se feito namoradeira, e ele, que emanava uma magia em pó colorido de otimismo, abria-se num sorriso.
O avô, feito mágico, criava um tapete voador fantástico com seus membros enrugados, que a acolhia, assentado-a para o transporte até o toalete:
- As "remelinhas" adoram o tobogã da pia de mármore, florzinha! E os dentes esperam ansiosos as coceguinhas, pra limpinhos, mostrarem sua cara.
O cabelo (escovado pelas mãos ensaboadas) deslizava num sopro esvoaçante do vento, que trazia a imagem do improvável (entre lençóis brancos molhados de anil, no varal improvisado varal de bambu) o céu ria, com o pique-pega das nuvens.
Na lancheira, um pão e um café com leite que chegaria gelado.
Na mochila, livros encapados com plástico grosso para não arranhar a capa.
E no estojo, lápis apontados com facas de cozinha.
- A bênção, pai! A bênção, mãe!
- Tome cuidado ao atravessar a rua, Alice.
- Não se distraia com as bicicletas.
-Não converse com quem não conhece, estranho não é parente.
-Coma o lanche todinho.
-Criança não namora na escola.
Nossa Senhora te guie...
O beija da mamãe, amor! Esqueceu?
E de um pequeno orifício do portão enferrujado, avistava a rua e o seu mundo.
E de novo o maquinista, com o apito do trem:
- Acorda em tempo, é tempo, acorda!
- Piuiiii! Piuiiiiii...