Sobre Penas e Técnicas
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
( Fernando Pessoa em Lisbon Revisited, 1923)
Quando li esses versos, por dias ecoou na minha mente, pensamentos sobre o que seria a técnica dentro da técnica.
A técnica dentro da técnica é coisa pra lá de boa: não me torno um pedante, maçante nem chato: nem guardião de uma boa oratória, aquele que não dá chances para ninguém falar, porquê sua sabedoria e experiência já abarcou tudo.
Eu quero que os jovens amem, quebrem a cara e fiquem desiludidos: quero que apostem na profissão errada para descobrir a certa.
Não quero ser o chato do " eu avisei", ou insistir que alguém curse Administração porque é a profissão do momento.
A técnica que eu deixo somente dentro da técnica me deixa puro, me aproxima dos outros: deixo a técnica no meu trabalho, nos meus guardados e vou de encontro ao novo, ao diferente.
Gente gasta com sentimentos gastos e aprendizados vastos.
Gente apreciando o canto dos pássaros: gente com dentes amarelados, gastos pelo tempo e pelo tabaco.
Gente com amores passados guardados nas gavetas, estes, bem vividos e ressignificados.
Ainda que eu dominasse toda a ciência, sem amor eu nada seria.
Às vezes Salomão com limão, outras, com açúcar, mas nunca caipirinha.
Quero estar fora da técnica, já tenho quase quarenta anos: quero caminhar pelo calçadão lentamente, de vestido longo; quero me assentar com os hippies e aprender a manusear penas: uma técnica leve, quase sem técnica, que produz enfeites de leveza.
Acredito que a técnica, sem pensar em tantos processos, traz a técnica mais bonita, porque sai do coração.
A quem os pássaros, acaso, gostariam de impressionar?