POR QUE ESCREVO POESIA?

Não sei dizer exatamente quando começou essa pré-disposição para a poesia. Mas sei da minha intenção de burocratizar e retorcer ao máximo o que, objetivamente, é quase insuportável de se dizer. E pra isso, precisa-se de cinismo e frustração. Algum desprezo pelo ser humano, disfarçado de condescendência e pronto: faz-se o hermético pensamento estruturado num esquema tão antigo quanto inútil.

Mas nunca suportei poesia decorativa, como os bordados da minha tradicional família mineira. Poesia é mais uma usina nuclear, uma panela de pressão ou um distúrbio que proporciona ataques de fúria. Antes de tudo, poesia é algo a ser evitado. Calado. E se tiver de ver a luz do dia, que seja imperfeito e com uma feiura sedutora. Ou com uma beleza absolutamente nauseante. Algo que, de tão único, seja admirado como um aleijão. Ou uma facada tão precisa num órgão vital, que inviabilize qualquer salvamento.

Acho melancólico chegar nessa fase da vida, onde os por quês são explicados, como uma autópsia de nossas preferências e vergonhas. De fato, nem mesmo eu me interesso pela razão de ser seduzido pela poesia, como uma mariposa estúpida é seduzida pela lâmpada. Talvez seja uma forma de prestar contas a Deus do tempo que perdemos por aqui, nessa ulcerada crosta terrestre. E provavelmente quando for questionado sobre minha estadia na vida, por alguma entidade divina, direi que fazia poesia porque acima de tudo, os seres humanos me irritam. Profundamente. Mas ao mesmo tempo, são fascinantes de serem observados em sua luta inglória por fazer algum sentido. Não sei que notas receberei (caso a avaliação seja comparativa) e nem me interessa. Não faço poesia pra entrar pra história. Faço porque a inspiração é uma pedra imensa no rim. Incomoda demais. E para as pedras alheias, não dou a mínima.

Mas fico feliz por pelo menos, não fazer da minha vida um melodrama em estrofes. Dos meus 10 anos de casamento, dos amigos perdidos, das decepções, alegrias e da minha profissão, faço outras coisas. A poesia é um laboratório de possíveis reações que podem virar venenos, explosivos ou remédios, dependendo do grau de deslumbramento do leitor. Nada de biografia auto piedosa por aqui. É só engenho espinhoso, maldoso, odioso, amargo e perverso pra ilustrar a vida breve. Iluminuras cafonas em páginas manjadas da existência.

No fim das contas, realmente não sei qual a necessidade real de tudo isso. Desse pequeno manual de instruções para suportar o que escrevo. Deve, ser, como já disse, uma prestação de contas das facilidades recebidas diretamente dos céus. Ou sei lá, uma forma de deixar o diabo orgulhoso de toda vaidade que consegui colocar no papel de forma tão desdenhosa.

EDUARDO PAIXÃO
Enviado por EDUARDO PAIXÃO em 26/05/2024
Código do texto: T8071541
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