Trilhas & Trilhos
Cai a noite sobre a velha estação de trem adormecida no coração de uma cidadezinha do interior. Anos atrás, ela era o epicentro do movimento e da vida; com seus tijolos carmesim resplandecendo ao sol; enquanto trens apitavam suas chegadas e partidas. O vapor das locomotivas se misturava com o ar fresco das montanhas; criando uma névoa tóxica e mágica que parecia transportar os sonhos dos passageiros para lugares distantes...
Curiosamente, aquele edifício outrora vibrante e ruidoso, silencioso por décadas, transformou-se num farol de conhecimento e inovação. Aqueles tijolos vermelhos que testemunharam ansiosos viajantes agora davam boas-vindas a jovens de mentes ávidas por saber. Os antigos bancos de madeira, desgastados pelo tempo, foram substituídos por carteiras e notebooks. Nas antigas bilheterias, onde mãos trêmulas entregavam moedas em troca de bilhetes para destinos desconhecidos; agora se inscreviam alunos em busca de destinos igualmente incertos...
Ao anoitecer, aqueles tijolos vermelhos brilhavam com uma nova vitalidade. As luzzes refletiam em seus corredores; conferindo-lhes um brilho quase etéreo; como se o edifício estivesse novamente respirando – adaptando-se à nova função; mas sem esquecer suas raízes. Os murmúrios de conversas acadêmicas substituíam os antigos anúncios de chegadas e partidas; mas os espíritos do progresso continuavam ali...
Almas antigas se reencontram naquelas plataformas que vibravam sob os pés apressados de quem partia ou chegava; inspirando poetas e bardos; ainda que aprisionadas em novos corpos – alguns tão belos que chegam a roubar as palavras e deixam apenas sorrisos bobos e olhares de encanto naqueles que os admiram...
Quisera eu ter o dom dos poetas como Drummond ou Shakespeare; ou mesmo a capacidade de compreensão de Neruda – ciente de que aquela Alma Alva que encontrara na velha Estação de Trem “não eras para os meus sonhos, não eras para a minha vida; nem para os meus quebrantos, nem para a minha dor; não eras para os meus prantos das minhas duras feridas; não eras para os meus braços; nem para a minha canção”.
Ah, que inveja eu sinto desse Raimundo (amado pela minha doce e bela Teresa). Na verdade, encontro-me muito pior do que o João – já que sequer domino o básico da língua de Shakespeare para me mudar para os Estados Unidos! Não desejo que esse Raimundo morra de desastre; apenas que esses antigos trilhos ferroviários façam um retorno e a Quadrilha de Drummond siga na direção oposta!
Você pode não perceber, mas nossas almas também conversam enquanto estamos em silêncio; esperando pelo próximo trem ou a próxima aula. E assim, quem sabe a velha Estação de Tijolos Vermelhos (testemunha de incontáveis jornadas); não vislumbre o reencontro da Musa Rainha com uma Alma Acinzentada pela fumaça dos trens de outrora?