Porquê, não escrever mais?
Era por volta do meio dia. O Sol alto, em linha reta.
Como de sempre, o dia e a movimentação na rua.
Dirigia-me até ao banco, acompanhada de minha irmã, que me conduziria até o interior da agência na cadeira de rodas para sacar uma quantia em dinheiro.
Na entrada do estabelecimento bancário, cruzamos com um aleijado sentado ao chão, em extremo estado de penúria. Tinha as pernas mirradas, retorcidas por uma deformidade de nascença.
Estava imundo, expressava um semblante de uma leve dignidade, somada a um ressentimento por estar naquela condição de penúria, nem alegre, nem triste. Tinha sua face queimada pelo sol, um quê de uma infantil dignidade.
Olhei para ele, que de imediato levantou uma caixinha cheia de gomas feitas de açúcar e gelatina. As ofereceu para que comprassemos.
Não disse nada.
Seus olhos ofereceram as balas para venda, junto, levou até a altura da cabeça, nas mãos esticadas, a caixinha cheia daquelas guloseimas.
Estávamos apressadas, tínhamos que retornarmos para os compromissos que nos esperávamos.
Balancei a cabeça, agradecendo o convite para a compra.
Retornando daquilo que havia ido fazer na agência, passaria novamente em frente ao jovem aleijado. Olhando para ele, antes que cruzássemos com ele no percurso, não esboçou nenhum convite para que comprasse as gomas.
A caixinha com as guloseimas mantivera-se abaixada junto ao colo.
Resolvi comprar a gomas, tirei da bolsa uma importância bem acima daquilo que ele estava cobrando por algumas delas.
Pedi a minha irmã para que parasse, e , como estava na cadeira, pude olhar nos olhos do aleijado, olho no olho.
Não sei, parece que consegui enxergar além daqueles olhos no instante que disse que queria algumas gomas.
O jovem olhou nos meus olhos num fundo digno e ao mesmo tempo de ressentimento por estar naquela condição.
Eu entendi ele, eu me tornei Um com ele naquele instante.
Senti a sua dor da incompetência de não poder sair daquela condição, mas digno. Era digno naquele instante por poder vender aquelas gomas para mim.
Não sei se peguei os docinhos das suas mãos, não me recordo. Quando dei o dinheiro a ele, o vendedor olhou para a quantia sem esboçar espanto por ser mais que o valor das gomas.
Não tinha um olhar de desprezo ou indiferença, muito menos de arrogância, mas de uma sensível dignidade, flambado no ressentimento de estar naquela condição.
Eu o entendi nestas emoções conflituosas.
Quando entrava no carro, o vi contando as moedas que ganhara no dia, e a caixinha de gomas ao lado.
Ao certo, estava conferindo o quanto estaria ganho no dia para pagar as despesas que o aguardava.
Na escola da purificação que me embrenhei, nos longos anos na cadeira de rodas.
Apesar do inarredável sofrimento, a ordália de ter sido tolhida no irrestrito direito de liberdade de estar neste plano no corpo físico no ir e vir, tem me trazido o aprendizado para o exercício da resiliência, despertar da compaixão, da aceitação, e da empatia.
Ainda há muito a depurar, a aprender, a estar íntima de Deus.