QUANDO FOI QUE NOS DISTANCIAMOS?

Peregrinávamos, juntos, pelas longas calçadas do centro da cidade, ombro a ombro, mãos entrelaçadas, como se fôssemos almas gêmeas desenhando passos harmônicos no tabuleiro urbano. O dia sucedia a noite em uma dança incessante, e nossa rotina, em sua repetição, nunca conhecia a apatia, nem o tédio ousava se insinuar em nossa convivência. Cada momento era uma tessitura delicada de vivências compartilhadas, um mosaico de afetos entrelaçados.

Até que um dia, você ficou para trás. Uma melodia, suave e insinuante, começou a substituir nosso diálogo. O som emergia do seu dispositivo, uma sinfonia particular audível a todos, mas nunca a ponto de importunar alguém. Era o bastante para deleitar-se com seu ritmo cadenciado e, ao mesmo tempo, insignificante para perturbar os transeuntes.

No entanto, era também suficiente para avolumar a onda de silêncio entre nós. E assim, paulatinamente, eu também fui me distanciando. A sua música desvaneceu-se em um efeito “fade out” quase imperceptível, e quando me dei conta, você havia se diluído nesse oceano de silêncio.

Talvez tenha sido um afastamento insidioso, um acúmulo de pequenos instantes onde nossas palavras se dissiparam como vapor ao vento, onde a sinfonia do seu aparelho erigiu um muro, invisível e impalpável, entre nossos mundos. Talvez tenha sido uma distração sutil que se transformou em costume, até que não restassem pontes a atravessar, apenas um abismo vazio que não soubemos preencher.

Quando foi que nos distanciamos? Sinceramente querida, não o sei e nem sei determinar o momento exato, mas sinto que foi quando deixamos de nos ouvir, quando a sua melodia se sobrepôs à nossa convivência. E agora, no eco desse silêncio, resta apenas a saudade de um tempo em que caminhávamos juntos, ombro a ombro, mãos entrelaçadas, como se fôssemos um só ser, navegando, em toda a sua extensão e complexidade, a incongruente vastidão oceânica dos nossos dias.