Exercício literário
Há o exercício literário de simularmos a escrita de outros autores em nossa personificação. Imitamos a estilística deles numa busca possível de encontrarmos nossa própria voz. Tática interessante, imagino, porque quando conhecemos o mundo, perdemo-nos sobre tanta informação o que é nós e o que é o outro. Gostaria de inventar-me sobre o reflexo do óculo manchado nos pecados baudelairianos, por exemplo. Ter o navio do sonho afogado na imensidão da tristeza, como o de Cecília Meireles. Esse exercício literário deve ser útil para muitas pessoas, mas e aqueles iguais a mim, destronados da autoconsciência do espírito? A minha voz grita com ela própria. Das vezes as quais gritei, foi quando saí do roteiro desse teatro ordinário e sem sentido. Sou a imagem da penumbra que a memória se fez esquecida. Um fantasma de carne assustado por todos. Os comportamentos são rastros de pegadas deixadas no mundo, e o problema é que meus pés são onipresentes.
Nada em meu âmago clareia-se como a beleza azul do mar. Sou daqueles que a lógica e a intuição mesclam-se num magma de gelo; petrificam na solidez de incerteza que esvanece sobre os ralos dos cantos. Tenho voz? Sinto a estética da confusão converter-se em ruídos - mas a sonoridade não satisfaz o instinto das respostas. A minha consciência pergunta a ela própria se há voz. Respondo como quem responde tabuada: se erro nomeiam-me de burro, se acerto, sinto que estou domesticado pelo chicote do meu dono. Espero ou não (o que hei de esperar?) comer grama no fim da vida.