Terreando.
A nossa terra, é um carisma de torrentes de novas edeologias e culturas. Já não me conheço, tal não é a miscelânea de povos e culturas que se estão enraizando em nós, nossa terra. Os celeiros estão vazios, pena que já não se bate o milho na eira, já não de demolha os tremoços na ribeira.
Tudo mudou, até os invernos, e o verão, quanta saudade das tardes com os pés na água gelada que desce da montanha.
Agora, hoje, as tardes são ocupadas com miríades de fax ou emails, tecnologia que matou as relações, o tio Hermenegildo tinha uma taverna lá no centro da aldeia, tipo chão de terra e balcão em madeira de sobrado. Aos domingos era o ponto de encontro de compadres e comadres, de padrinhos de de abençoados. O sr Abade é cliente frequente, a sua ginginha preferida está sempre pronta no copito de meio traço, a sua governanta é na realidade a sua namorada em segredo, todos sabem, a venda da tia Inácia vende azeite ao quartilho, e feijão ao alqueire, é a vida da aldeia.
O dono da tasca , Hermenegildo, conseguiu mandar o seu sobrinho para o Porto, estudar. Conseguiu com o compadrio do coveiro lá do lugar com abade a compactuar com o assenhorar-se das terras de seu irmão a troco de ser tutor do magano. O malandro do sobrinho passava os dias na boémia e na pandega em vez de se concentrar nas aulas, passava os dias na arruaça com os colegas de forró, os cruzados que o velhote lhe envia servem para pagar as puritanas e as borgas lá na rua dos Caldeireiros e é ponto de encontro diário a taverna Folias de Baco.
O traquinas do sobrinho lá conseguiu, com muito esforço e com muitas moedas pagas por baixo da mesa, tirar o secundário.
Pra época era um doutorado, quase, bem, o rapaz se achou muito importante para retornar á aldeia, nem mais dirigiu a palavra ao velhote, seu tio. Coitado o quanto se esforçou para pagar os estudos de seu órfão sobrinho, acabou por ficar só e abandonado, muitos anos após, o Giló , assim o apelidaram, acabou por emigrar logo que fez 18anos e não mais se soube dele.
A vida não saiu de sua rotina, o tempo parou naquela terreola, a taverna do tio Hermenegildo ainda é de chão de terra, passados este tempo o povo ainda vai da igreja direto para tomar um copo de três lá na taverna, ouvir as novidades. O moleiro ainda vem com seu burro recolher o milho e entregar a farinha depois de moída. Naquele ano fizeram um sorteio de rifa para matar um porco. Alguém perdeu um porco quando vinha da feira, todos sabiam quem era mas todos queriam comer o bichinho, e ninguém se chibou , decidiram o engordar em coletivo, fizeram um chiqueiro nos fundos da igreja perto do cemitério. Todos traziam as baldadas de resto de comida pró marrão p´ra engordar o bichinho a pensar qual costela irão comer quando da matança do monte de cebo.
Os anos decorreram e certo dia quem deu de cara com o velho abade, o Giló, sapato de verniz, camisa de caxemira e funga gatos no colarinho. Não é que o magano do rapaz não esqueceu a sua origem, o tio já velho e a arrastar os pés não quer acreditar, um pouco receoso e suspeitando que o, agora endinheirado pelas aparências, seu sobrinho lhe venha a pedir contas de seu dote lá o recebe de braços abertos.
Passados uns dias já todos se habituaram ao cheiro de perfume caro do Giló, sr Giló. Ele prima por camisa engomada e sapato de verniz, estica sua calça contra os fundilhos com o uso bem esticado de uns suspensórios, usa lenço passado para fungar o nariz, coisa de fino.
Um dia pede ao tio para ser sócio no negócio da taverna, dá-lhe umas ideias de transformar a taverna num café com estilo americano, vidro , cerâmica, luz indireta, caixa registadora, enfim uma panelópia de ideias de quem está endinheirado.
O velho lá tanto ouviu a insistência do sobrinho que acabou de ceder, lá fecharam a taverna para obras, partiram e quebraram, abriram janelas, portadas de vidro um ecrã na parede, uns bancos altos junto ao balcão de granito e umas tostadeiras para servir umas tostas ou crepes bem quentes.
As obras lá terminaram ao fim de alguns meses de espectativa dos beberranas da aldeia que estavam expectantes o desmontar os tapumes e mostrar agora a nova "Taberna Twers" assim se veio a transformar o ponto de encontro do largo da igreja.
Naquele fim de semana era a festa da rabuda, toda a aldeia, melhor todos os homens com os seus cães sarnentos e carraçudos se juntavam, cada ano neste dia, para irem á batida da rabuda. Na verdade era a caça á raposa. O Giló aproveitou a data para entregar convites para a abertura do seu sonho que trouxera dos EUA , onde esteve estes anos emigrado.
Á hora determinada as portas se abriram, tudo reluzente, iluminado discretamente, com musica ambiente , na verdade, mais parecia um bordel caro de Las Vegas, ninguém apareceu, pareciam escondidos do pecado.
Os dias iam passando, durante os dias , agora de chuva, tinha chegado o inverno, o "Taberna Twers" estava ás moscas, Giló não queria acreditar, o seu sonho se tornara um pesadelo, todos o cumprimentavam com muita vénia. - Gudemunin sô Giló- assim o cumprimentavam julgando o impressionar com a lisonjeira.
O agora empresário de cafetaria, assim se intitulava Giló, questionou seu velho tio, o velho encolhendo os ombros se acabrunhou debaixo de um candelabro lendo e relendo uma velha sebenta onde apontara a venda de copos a crédito a seus amigos da aldeia.
No domingo seguinte o Hermenegildo foi o primeiro a chegar ao confessionário e se benzer perante o abade. O padre em vez de dar as bênçãos e os sacramentos da penitência no confessionário, o questiona por que autorizou o Giló a partir as raízes da confraria do copo de três, assim chamavam á taverna do largo da igreja.
Acabada a homília todos se cumprimentam na saída da igreja ao som dos píncaros e arrebates dos sinos da torre da capela.
Hermenegildo tem que esforçar conversa com os antigos amigos. - Porque não aparecem mais lá no boteco a tomar uns copos? -perguntava a todos que lhe davam oportunidade de puxar conversa.
-Sabe Hermenegildo...!agora aquilo tá bonito, parece um espelho, verdade, mas...é assim! e você sabe, antigamente o seu chão era de terra e a gente podia até cuspir no chão quando batia catarro ao fim do copo, e agora aquilo está tão polido que a gente se sente mal co medo de empoeirar o chão polido que sô Giló se despencou em colocar no chão.
E assim resumo da estória, mais vale uma cuspidela no chão e meio almude de vinho no bandulho do povo do que uma pastilha colada no bordo do balcão de fórmica polida de rebordos cromados.
Uma aldeia no fim de nenhures. Com os aplausos dos afilhados de ser abade, na verdade filhos do pároco e de sua intitulada governanta, que na realidade era sua amante disfarçada de governanta da abadia.