O inteiro de mim é saudade.

Eu tinha escrito um poema inteirinho. Com pé, cabeça e miolo, mas de algum jeito ele sumiu. Virou metafísica de nunca e bytes.

Me enchi de um medo bizarro e doido de "não-ser".

Não sei explicar, mas me imaginei sendo uma frase, e aí depois pensei que alguém me apagaria, assim, sem querer. Tentei pensar o que sobraria depois, no chão das minhas pegadas. Pergunta difícil.

Acho que agora é mais uma dessas épocas que definem a vida, por isso a minha confusão. Quando a gente estuda roteiro, chama de "Ponto de virada". Tenho um pouco de medo deles.

Falando em metafísica, lembrei de uma coisa engraçada: "As esganadas", Jô Soares. Li na minha adolescência. Jô coloca nesse livro, o "Esteves sem metafísica", um personagem de Fernando Pessoa que aparece em "Tabacaria". Lembrança avulsa.

A vida tem voltado aos antes, se apruma lenta e calma pro futuro, "no ritmo do aço" não sei se isso é bom. Mesmo tudo indo avante desconhecido, se decanta em medos mais ou menos parecidos. "A civilização atual a tudo confere um ar de semelhança". Adorno quem disse.

Tenho uma saudade grande de minha mãe. Ela vai escapar pra longe agora, abreviar o tempo em comum, que já era nada.

Djavan escreveu "Dona do Horizonte" pra mãe dele, sempre penso nessa música.

Tenho uma saudade de minha irmã. Dela e do meu sobrinho... De não caber no peito. Mas ela tem seu calvário próprio pra dar conta. (Que o tempo seja cuidadoso com ela, tomara.)

Vou chamar Fernando Pessoa uma última vez, mas só dizendo que "tenho em mim todos os sonhos do mundo", mas tenho em mim todas as saudades do mundo também. Não entendo.

Lembrei de você de novo, a memória é uma faca.

Posso viver um sem fim de dias que não entendo esse seu agir sob minha cabeça, meu pensamento, isso de você me desintegrar só de pretérito, te lembrando. Memória é faca, amor é magia.

Lembrei desse sorriso, um sorriso de dentro do corpo, de pessoa interiorana, que nem Bethânia diz. Musa. Bethânia diz que continua sempre a mesma menina de Santo Amaro. Espero que nós também. Ambos filhos das nossas próprias terras, mas nascidos pra esticar, e arrancar mordentes as fronteiras do mundo.