BICHO

Lembro do primeiro bicho que tive

quando ainda era, eu mesma, um bicho puro

capaz de coragens infinitas

de arroubos loucos, de medos trágicos, bobos.

Tudo assim sem lógica ou fundamento

tão de graça, tão espontaneamente louco

e grande e intenso e incontido...

Éramos dois bichos, um diante do outro

sem saber direito o que pensar daquilo que nos acontecia...

Aos cinco anos, eu nada sabia do amor.

Eu era o amor.

E então, para amar o meu bicho, eu apenas fui eu diante dele

e me inteirei com ele numa mistura de receio e alegria

de descoberta e certeza, de saber e adivinhação.

Pedissem-me uma definição e eu nunca a teria para dar

pois não havia razão que coubesse na nossa alma expandida

naquela afetiva sintonia de bichos correndo juntos pela casa

dormindo enroscados ao pé do outro

sentindo e conhecendo o outro em seus ruídos, forma e cheiros.

Éramos um do outro sem subterfúgios

e nosso vínculo era macio e quente como um colo.

E a presença do outro era a casa segura em que habitávamos

levando um ao outro nas costas como uma casca de caracol

para onde poderíamos sempre nos recolher em caso de dor ou perigo.

Nós éramos a felicidade e nem sabíamos disso...

Anna Wurlz
Enviado por Anna Wurlz em 03/03/2024
Código do texto: T8011893
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