BICHO
Lembro do primeiro bicho que tive
quando ainda era, eu mesma, um bicho puro
capaz de coragens infinitas
de arroubos loucos, de medos trágicos, bobos.
Tudo assim sem lógica ou fundamento
tão de graça, tão espontaneamente louco
e grande e intenso e incontido...
Éramos dois bichos, um diante do outro
sem saber direito o que pensar daquilo que nos acontecia...
Aos cinco anos, eu nada sabia do amor.
Eu era o amor.
E então, para amar o meu bicho, eu apenas fui eu diante dele
e me inteirei com ele numa mistura de receio e alegria
de descoberta e certeza, de saber e adivinhação.
Pedissem-me uma definição e eu nunca a teria para dar
pois não havia razão que coubesse na nossa alma expandida
naquela afetiva sintonia de bichos correndo juntos pela casa
dormindo enroscados ao pé do outro
sentindo e conhecendo o outro em seus ruídos, forma e cheiros.
Éramos um do outro sem subterfúgios
e nosso vínculo era macio e quente como um colo.
E a presença do outro era a casa segura em que habitávamos
levando um ao outro nas costas como uma casca de caracol
para onde poderíamos sempre nos recolher em caso de dor ou perigo.
Nós éramos a felicidade e nem sabíamos disso...