DO MUNDO

Do mundo

Há um mundo que dorme no sótão, tão só. Anseia por uma resposta, mas só ouve seus ecos que o ensurdecem e o retiram a visão. Ainda assim, insiste em caminhar. Para onde? De onde vem a luz? Está escuro. Mundo arregimentado por burburinhos, pela indiferença. Um mundo no qual a lágrima está desamparada e em cada lar os sorrisos margeados.

Quantos de nós não temos guarida para comportar dores... Essas bocas sem expressão. Esses ventres feito porão seco. Quando há de se pôr afeto? O menino se hospedou sem saber das suas necessidades. Anda no deserto e às vésperas de seu aniversário sente-se enlutado. Acende a vela para si como no cemitério. Não haverá presentes nem presente. Comerá um modesto banquete com desgosto. Nessa estrada ainda se ilude com lascas de poesia...

É incrível como consegue nessa aridez ter esperança de fruto. Serão oásis? Um dia a incerteza se transmutará e outros olhos lhe serão dados. Todo calabouço tem data para acabar. Nesse fechar-e-abrir-se há pontos e contrapontos. O sobressalto da noite costura emoções diversas num alinhavo que o retalha. O choro o descarrega e o leva para perto de si. Como se agora repousasse a máscara de herói – sem nenhum caráter – tal qual Macunaíma, mas não tem nenhum colar para mudar a realidade ser só. Somente ser.

Amassou o pão cujo miolo o tempo consome. A morte despersonifica, mas também nos autentica. Rompe esperas, cria outras, tendo-se um ontem, um amanhã; jamais hoje. Irônico. Não é com bússola quebrada que se ganha um horizonte. Que hombridade exercer se os ombros já não suportam o mundo? É apenas um menino, um velho menino enfadado desde jovem. Quer trégua. Estar não é ser, e seu legado não pode se limitar a um vaso quebrado na sala de mal-estar.

É hora de parar de nutrir da placenta que o abandonou. Procura-se outro parto. E parte-se para ser inteiro. O silêncio foi para se metamoforsear-se – do luto à luta, porque liberdade é se sentir confortável em si mesmo. Cada forma conforme o formato do coração nosso. Silêncio não é ponto final, é reticência.

Na fazenda descosturada, um orvalho chora pela folha. Recortaram o casulo da borboleta que fenece no chão sobre a gosma rodeada de formigas. É preciso arvorear, criar raízes, fixar as forças onde não se vê. Quando se integra ao solo, o que há de ser realizado passa a ter sentido.

Os intervalos de um escritor são a vida? Seu sossego é o seu silêncio refletido que, quando está sem escrever, está-se atormentado. Sua tormenta é ter que lidar com os barulhos do mundo interior, almejando despejar tudo em um processo catártico. Todos necessitam disso. Todo necessitam de subterfúgios – do álcool ao sexo – da religião à arte.

É preciso confessar que muitos andam indispostos para estar entre as pessoas que mais amam. Invadem-se na contramão de si mesmos e ficam apáticos à vida ao mesmo tempo em que a sentem profundamente.

Todos estão carentes, é verdade. Algo está nos faltando e o pior é que nem sabemos o que é. Cadê meu filho, meu pai, minha mãe, minha esposa, meus amigos? Ao final de tudo, entenderemos que o que realmente importa são os laços que construímos, a reflexão se construímos mais pontes do que paredes entre nós. Quem tanto se bastou não se aguentará. Quem não se aguentou não se sustentará, porque afastou quem queria tanto se aproximar.

É tanto a dizer que não se tem conseguido. A alma constipada é a representação da nossa impotência de viver. A todo instante, a respiração encurtada, como se eu não houvesse fôlego para nadar o percurso atribuído. Assim, deseja-se qualquer coisa que pensar não o faça. Um instante de não dizer, parecer não ser para ser do mundo.

Leo Barbosa é professor, escritor, poeta e revisor de textos.

(Texto publicado no jornal A União em 23/02/2024)

Leo Barbosaa
Enviado por Leo Barbosaa em 23/02/2024
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