Esboço de prosa
Ultimamente tudo tem sido pesado, como se esse nada que é viver esmagasse a minha coluna.
A pressão do cotidiano quer arrancar minhas vértebras e fazer-me rastejar como um caramujo sem casco nem casa, a tristeza fez de mim um verme.
Acordar não é difícil, até mesmo porque não estou sequer dormindo. No entanto, é preferível sangrar do que ter que levantar da cama outra vez.
Tudo me adoece, a música é uma dança de agulhas, as vozes dos outros são os sussurros de satã, os abraços são armas e os olhares me queimam. Por mais que tudo arda e doa em meu corpo eu não consigo desejar a morte, na verdade sinto que estou morto a mais tempo do que me lembro.
O sentido é a falta de sentido, a falta é o sentido do sentido, será possível viver esburacado? Nada tem sentido e aquilo o que eu achava que poderia me salvar me condena cada vez mais. Não quero destruir o mundo, não quero me vingar dele e muito menos salvá-lo, o mundo para mim apenas é um lugar blasé, eu sou um qualquer e meu sofrimento não é maior ou menor do que o sofrimento de qualquer outra criatura pluricelular.
Desisti de procurar qualquer sensação que não seja a dor física, não sei por quanto tempo mais aguentarei a abstinência do cigarro, do álcool e do pornô. Meus ossos choram mas eu não sou capaz de derramar uma lágrima sequer pela dor que sinto. Não acho que eu mereça o meu sofrimento, mas com toda a certeza não sou um homem inocente.
Sinto falta de certos toques, de certos beijos, de certos olhares, mas não há nada que outra alma possa fazer pela minha, senão remediar a minha insensibilidade. Perco os sentidos, vivo imóvel, tudo é movimento e eu sou o que fica. Não consigo mais viver a vida ativamente, não tenho coragem de ir à padaria, sou o espectador absoluto, o silêncio constrangedor de uma piada sem graça, eu sou o cravo e a unha que encrava, a enxaqueca e o vírus.
Não chamem o meu nome, não ousem me amar, em breve não estarei mais aqui e essa dor não terá sido nada. Eu sou uma lembrança que não será lembrada.