Sobre amizades desavisadas…
“Amizade é um amor que nunca morre.”
Mário Quintana.
Era uma vez, um grupo de amigos desavisados. Porque ainda não sabiam que seriam amigos; parecia muito improvável. Eles se encontraram num evento de faculdade. Ou talvez um evento cósmico, tipo o surgimento da vida; difícil saber. O fato é que eles eram pessoas comuns, com defeitos e virtudes, e muito diferentes umas das outras. Mas quando se encontraram, neste evento que não sabemos precisar, aconteceu de se encaixarem quase que perfeitamente, como um quebra-cabeça que se monta sozinho sob o efeito reverso da entropia, após atingido por um raio. E aquilo que antes eram apenas os defeitos de cada um, nesse encontro incerto, se transformou na virtude de todos. E era uma virtude bonita de se ver e viver, tão forte, tão pura, que tocava até as outras pessoas, as que não faziam parte do grupo; mesmo as que nada entendiam sobre virtudes.
Mas como todo evento de faculdade, ou acontecimento cósmico, a dimensão do tempo fez o encontro se desfazer, e eles precisaram se afastar, seguir suas vidas. E assim aconteceu. Mas as marcas que cada um levou, do toque da virtude de todos, permaneciam em cada um deles, de forma que esse afastamento lhes causava uma espécie de… falta; uma síndrome de Estocolmo ao avesso. Por isso era uma enormidade de alegria quando alguns deles, sem aviso, se reencontravam pelos desencontros da vida. Era como se aquela virtude, já mencionada, os abraçasse fortemente; e eles se sentiam novamente revigorados!
Alguns desses amigos, agora cientes que eram amigos, já haviam passado por essa experiência antes. A de se conectar fortemente com um grupo e depois, pelas circunstâncias da vida, se desconectarem. E a lembrança dessa desconexão também lhes causava a falta. Em alguns, até um profundo arrependimento, porque foram eles mesmos o motivo da desconexão, de forma deliberada, no momento, mas com grande pesar depois. E assim eles permaneceram, conectados virtualmente, mas desconectados presencialmente, sempre marcando encontros não realizáveis na esperança de um dia se encontrarem novamente e sentirem novamente a alegria daquela conexão. Eu sei, não é bom usar muitos advérbios…
Mas aconteceu que um dos participantes do grupo morreu, sem nenhum aviso, exatamente como a morte finge ser, desavisada. Porém, na verdade, é deselegante na chegada desacompanhada e na partida acompanhada. E, no momento em que a morte levou aquele amigo desavisado, todos os outros amigos sentiram um abismo se abrir em seus peitos; alguns sentiram na hora, como uma punhalada, rápida. Outros, apenas um leve incômodo, como uma lâmina que entra aos poucos, que só depois foi sentida como a verdadeira falta. E por isso, se entristeceram, profundamente. Sofreram pela ausência repentina, sofreram pela percepção das constantes promessas descumpridas de se reencontrarem e por fim, sofreram pela perspectiva futura da certeza das novas ausências.
Então, eles prometeram se reencontrar pelo menos uma vez por ano, na mesma data de partida daquele primeiro amigo, agora ausente. E assim fizeram, até que só restasse apenas um deles. E a cada encontro eram alegrias e tristezas compartilhadas que se somavam a menos, como um conta-gotas, num equilíbrio permitido apenas pela graça de nossa senhora da bicicletinha; até o dia em que só restou um. E quando este dia chegou, a última pessoa amiga do grupo sentiu uma solidão tão incomensurável, provavelmente uma que nenhum outro ser humano jamais sentiu em toda a existência da humanidade na Terra! E naquele lugar vazio, abismo de ausência, lembranças felizes e dor, a morte, que já a sobrevoava impassível, pela primeira vez se compadeceu de um ser vivente e, como quem pedisse desculpas, tão logo a levou.
As peças do quebra-cabeça, enfim, se perderam no tempo, mas a energia que o montou, ainda anda por aí, caindo como raios invisíveis, em outros grupos de futuros amigos desavisados…