Dia 02 de fevereiro
Quem me conhece, sabe que não me filio a nenhuma religião. De forma serena, sinto que dei o que tinha que dar nesse “lócus” da vida. Mas no dia 02 de fevereiro, talvez mais do que no meu aniversário, uma certa brisa de felicidade me sopra.
Acredito que o motivo seja porque cresci vendo aquela mulher, vestida de um branco que refletia o azul do céu e do mar, e que pousava com uma sensualidade acolhedora, tendo a lua e as estrelas como fundo, enquadrada na parede da casa de uma das pessoas que mais admirei e amei na vida.
Minha avó, que vivia com os mesmos braços abertos de Yemanjá no quadro de sua casa, confessava já ter sido da Igreja Messiânica e do que chamava de “espiritismo de mesa branca”. Não perdia uma Festa da Penha, época em que subia as ladeiras do Convento em todos aqueles dias que eram dedicados à Padroeira, e contava uma história de que havia sido curada, para sempre, das dores de cabeça pelas mãos de uma cigana. Além do quadro irremovível de Yemanjá, sua estante portava uma estátua do Buda Hotei, e creio que aquele corpo espaçoso e o sorriso largo representavam bem quem era a minha avó, uma senhora amável, passiva e caridosa, mas que possuía um lado debochador, malandro, e “uma boca suja”, a que só os mas íntimos possuíam acesso.
Não sei a partir de qual idade deixou de frequentar qualquer religião. À quem vinha com ideias de conversões, sentenciava que acreditava em tudo e que Deus era um só. No que se refere à sua vida mais “pagã”, comentou por diversas vezes que, se pudesse voltar no tempo, seria funkeira e jogadora de futebol. Dois desejos que, ainda hoje, não são bem-vistos para as mulheres.
Desse modo de lidar com a religiosidade e com esse desejo em potencial de subverter os destinos e as regras sociais, sinto, então, que, a partir de uma certa idade, minha avó deixou de frequentar os templos e cultos religiosos porque sua religião passou a ser a liberdade – a vivida no presente e a projetada para um passado. A única coisa que parecia lhe prender, portanto, era o tempo, que ela soube ludibriar com os gostos pelo funk e futebol.
Dia 02 de fevereiro é Dia de Yemanjá. Comemoro, respeitosamente, sem me filiar. Minha comemoração, com o perdão da liberdade, é a forma de exaltar a memória de minha avó. Porque ela me ensinou, a partir de sua vida e de seus desejos, sobre um país menos injusto, mais livre – porque com regras (inclusive sociais) iguais –, ecumênico e sincrético.