[Parede-Meia com o Desespero]

[Poema em dois tempos]

I

As coisas mais espantosas

jazem contíguas à minha cotidianidade;

convivo com elas, sinto o seu cheiro...

De tão comuns, tão presentes,

já deixaram o reino da novidade,

estão emplastadas em meu mundo,

dificilmente algo conseguiria acordar-me

para o espanto que engendra perguntas.

De parede-meia comigo, e de forma natural,

habitam a miséria, o desamor, a solidão,

a carência de sexo, a dor do abandono.

Mas, recentemente, mudou-se para cá

o pior dos vizinhos: o desespero...

II

Aos domingos, quando eu me sentia triste,

eu até que achava ânimo de vida.

imbuído de uma mágoa qualquer,

eu tramava escapes, sonhava,

tinha projetos de superação.

Agora, estas ruas calmas da cidade,

adomingadas de um tédio sem fim,

conduzem os meus passos

para a minha metade de casa,

aquela casa partida ao meio,

e já não sonho mais nada...

[Penas do Desterro, 30 de dezembro de 2007]