O absurdo
É uma vida sem arestas. Sem sobras. Sem dobras. Um vida tão justa que não se embola, não enruga, não aperta e também não alarga. Ela apenas vai cabendo, e nela cabem outras. Ela é vária.
Se adequa, se reinventa sem prazo de terminar e nunca acaba. Se sabota todas as vezes e nunca alcança. Roça os dedos no possível e solta. Sente o gosto da vantagem e cospe. Lambe a prata e regurgita. Não se permite o muito. Não cabe no largo. É feita para as miudezas e se ressente do talvez.
Já não culpa o mundo. E cultiva um bicho de dentes pequenos e gastos dentro de si mesma. Tem a vista arredada, mas os braços são curtos. Diz-se cansada dos extremos e evita os lados. Tantas vezes escolhe o fracasso. Tantas outras, a inépcia. E outras mais, o absurdo.
Tentou muito ser, mas por não saber-se, nunca foi, nem nunca será.