Romântica Quimera
A chuva silenciosa do meu pranto se conecta com a caída torrencial das águas na vegetação densa da primavera. Reverbera-se ao fundo do ambiente arranjos melancólicos de uma canção de outro século. Tento fracassadamente suprimir a tristeza transbordada e entreter o pobre pensamento, observando, através da janela esbranquiçada de passados, a verticalidade cortante, pesada e estranhamente bela do temporal.
Mas por momentos, perdendo o poder de fitar apenas o visível, volto a existência e noção de meu impasse torturador e atemporal. Relembro, como se o período existisse além da compreensão do tempo, à dimensão tensa e sensual criada ao nosso redor no instante em que nossos olhos se encontraram. E nessa continuidade enfeitiçadora e dissociativa, adentro cativa na vã e vil fábrica de anseios que aprisiona os Homens. A memória.
Não é possível não recordar que ao me perder em seu olhar repleto de significados velados e perceber a instauração de uma atmosfera densa, essa que torna quase palpável a atração e magnetismo que nos submergem ao torpor do fascínio, você, justamente a Musa que corrompe a sanidade e inspira à continuidade da poesia, dispôs – creio para comprovar a existência da realidade em meio ao êxtase de fantasia – a rearranjar, com ar assustado, uma mecha rebelde de meus cabelos. O ato sutil pareceu fundir-se a eternidade quando suas mãos delicadas, as quais fantasiava à tentadora maneira do toque, demoraram-se com demasiado carinho, que, ao mirar-te com maior intensidade, atingi a quebra de percepção do espaço-tempo e a dissociação entre o real e onírico. Eis aqui a perdição para um paraíso controverso. Alguns que retornam desse labirinto, mesmo feridos, aprendem tardiamente que o pouco é demasiado para os inocentes platônicos comedidos.
Agora, encontrando-me no futuro distante, como uma sacerdotisa das causas perdidas, ora colecionando em vão recortes de desejo e expectativas antigas, ora fugindo ironicamente de tais projeções psíquicas, admiro lentamente, em choque perceptivo, o sentido aplicado de referida diatribe, e finalmente enxergo sob frenesi, parte do significado das famigeradas paixões que (a)vassalam os sentidos do corpo e imperam nos desejos fundamentais da vida e espírito de outros tantos atingidos.