Sintomas ou sentimentos?
— O vazio no peito é um horror, doutor, a cada dia é uma delinquência sentimental qualquer. A minha cabeça é uma tempestade de emoções, que equilíbrio um homem pode ter. Neste turbilhão, a mente não se conecta ao coração e a balança da razão tende a pender. Não sei o que faço com a solidão, abraçado pela família e amigos, seja qual for a situação, sinto é que estou sozinho, pode crer. Desesperado, idealizando pessoas e situações, consigo ter apenas amor ou ódio, porque o caminho do meio nunca pode ser. Se eu pensar em abandono de quem gosto, doutor, fico tão apavorado que nem sei o que fazer. No meu cérebro, assuntos pelejam em obsessão, pois terei que saber e tudo entender. Mesmo assim não me satisfaço, me boicoto e aumento a pressão e fica impossível sentir-se bem. Por vezes me exalto, uma alegria sem explicação, exagero na dose, me arrependo e termino com a alma a doer. Tudo é muito triste, doutor, porque não sei, na realidade, o que julgo é verdade ou uma mentira a transcender. Dormir, só com o remédio para me entorpecer, caso contrário viro uma coruja, com os olhos tão abertos, quem vê, fica a temer. Sou tão esquisito, digo eu te amo a deriva e sem-noção, deveria me poupar dessa bajulação e nada dizer. Estou tão desumanizado, doutor, que os meus sentimentos agora são sintomas, que não consigo distinguir em um ou em outro crer. Mesmo com o rosto a ruborescer, ter libido é viver com paixão, pois não sinto desejo por uma mulher. Vida ingrata, será que é uma punição, pode ser um feitiço, mandinga ou maldição, nenhum comprimido pode resolver. Pedem para ter fé, ler um livro e fazer uma oração, não apresentar sofrimento físico, compreender que o mental é a disfunção, o quanto difícil é viver.