NÃO, NÃO SOU EU!
O dia amanhece,
E há sobre mim um manto de cores.
Mas as palavras parecem desbotadas...
Ainda ontem ouvi da sua voz:
-Você movimenta a vida!
Confesso que me assustei.
Não é possível, essa não sou eu!
Movimento...qual movimento?
Acinesia.
Não existo sem palavras!
Dobro as esquinas dos anos,
E o tempo me algema.
Me rouba a voz...
Mas...criei coragem.
Voltei pelas mesmas ruas,
Aspirei daquele ar quente.
Andei novamente pelas calçadas,
Subi a ladeira íngreme,
Bem devagar...
Contei os paralelepípedos
Um a um!
Tropecei nos buracos.
Constatei as sucatas...
De paredes descascadas!
Ouvi o sino da igreja,
Ajoelhei.
Rezei a Ave-Maria.
Pedi perdão...
Ceifei o pensamento
Emperrei o coração.
-Alguém teria uma "chavinha"?
Sentei para descansar,
Sorvi um gole d'água.
Esperei o semáforo abrir.
E então...vi que também passei.
Eu não sabia...
Que aos poucos esqueceria os sabores.
Todos!
E deglutiria as palavras a seco.
Há sobre mim um manto de cores,
E essa minha poesia tão paralisada...
Que ainda se presta a ouvir de você
Que sou eu a movimentar a vida.