Vazantes
Entre o ócio e o tédio, o que você faz com os seus vazios? Eu nunca sei bem o que fazer com os meus. Às vezes faço poesia, muitas vezes entro em sono profundo, bem mais raramente traço um pote gigante de sorvete. Fato é que aprendi a respeitar minhas vazantes. Quando tudo se esvai, esvaziando tudo por dentro. Dias inférteis. Tudo árido. Criatividade é como terra de rachaduras profundas. Nada há de brotar. Mesmo que desabe uma tempestade lá fora. Não chega a irrigar o avesso. Nem transbordar palavras, remanesce o oco retumbante do nada absoluto. O olhar ainda percebe encantos ao redor. A consciência abriga certezas de tudo que há para agradecer. E nada! Nem por fora, nem por dentro. Silêncio que já não escuto mais. Zumbidos povoam o limbo. Mas, tudo está vazio. O fogo adormeceu. A intensidade se desfez. As pernas não obedecem ao apelo do movimento intrínseco de caminhar. A inércia é um convite confortável. A teia segura. A história que se repete. O tempo já revelou o alto custo dessa falsa paz. Reviro os olhos. As entranhas. Desenho outras perspectivas, novas fugas. Sei que é em vão. É só seguir no automático. Pode durar anos, alguns dias, os vazios são necessários. Honrá-los é o caminho mais correto. Permitir que a maré preencha um novo existir. Construir novos versos. Saudades sempre ficam depois de algumas renúncias. Essa é a beleza do livre arbítrio. Somos humanos. Nessa viagem louca de ser tudo, ou estar em nada.
*Si*