Horas vagas
As horas eram vagas e a noite bailava romanticamente nos braços da chuva. A canção era, talvez, uma saudade rasgada em bemóis e sustenidos, que lavava o rosto pelas bordas do tempo.
O escuro deixava-se nu na amplidão do espaço; E permitia-se ser tatuado por luzes amareladas que saltavam longe, das janelas das casas; E de outras tantas que se mantinham escravizadas na redoma vitral ostentadas pelos postes.
As ruas eram de solidão. O mais sublime de tudo era ouvir o silêncio se quebrando devagar e cheio de prazer pelos filetes de água que compunham as goteiras, as quais corriam em abraços apertados e em enxurradas desciam murmurosas para os bueiros.
Os trovões eram de toadas roucas, como que escorridas das fendas dos relâmpagos na superfície dos ares.
A noite é sempre um mistério na amplidão de seu deserto em obscuridade. E nas suas imprevisibilidades há sempre caravanas, nas quais as emoções aprontam as malas e seguem sem direções definidas.
... As horas eram vagas e do olhar em solitude, as minúcias das coisas eram inteiramente belas naquela noite chuvosa.