Eu, a velha e Sêneca
Haja, pois, a incerteza dessa vida. Que nessa incerteza, como quem tateia a parede da caverna escura em busca da luz à saída, possa eu, errante por excelência, chegar. E, quem sabe, ou como saber, se o que encontrei, ou encontrarei, tanto faz, me será, para meu próprio propósito, possa eu, saber que minha certeza nada mais é que um fluir de desejos não saciados. Será apenas, e nada mais, que fragmentos que nunca se completarão, pois, espalhados os cacos, como num quebra cabeça que falta peças, sempre haverá o buraco, o espaço vazio, o "e se?.."Será, então, eu, o inconcluso projeto de algo que ignoro? Mas, se ignoro, como saber se esse algo é o que busco? Como saber se do "algo" ignorado, possa vir o inesperado acontecimento materializado em algo que se realiza e me satisfaça? Sem resposta, apenas conjecturas, apenas questões. Apenas indagações que nada significam além de indagações.
O silêncio grita como se pedisse socorro. A mudez do som, como se o som tivesse sido engolido por uma força, ou pela ausência de força, tivesse o som sido sugado no espaço cósmico e nada mais se ouve, assim, penso ter acontecido quando meu grito calou -se na garganta seca. Não foi possível anunciar o que era a próxima cena. Não foi possível, nem ao menos, anunciar a dor da partida. Não foi mais possível, pois, do outro lado da rua, sem que se percebesse, do outro lado da rua, a viúva, e seus quatro filhos, mendigar as migalhas das mesas fartas dos homens de bens. Como ser possível? Como ser possível ladrões de termos e gravatas de sedas, saírem às ruas e não responsabilizados pela miséria que causam? Incompreensões, penso, é disso que sofro quando não entendo e não compreendo essas lógicas.
O asilo está cheio. Não haverá visitas. Chora às escondidas a idosa abandonada pelo filho usurpador. Chora pela saudade dos netos. Chora porque sabe que não terá mais tempo. Do tempo que só lembra da infância, restam memórias vividas e vivenciadas numa causalidade que beira ao improviso. Sem saber o próximo passo, como se próximo passo fosse ele próprio o construir do incerto caminho, e por isso mesmo, não planejado. Lembra que percorreu e atravessou fronteiras. Lembra do primeiro beijo roubado, e não reclamado, porque facilitou para a ocorrência do delito. Lembra da felicidade quando recebe a primeira carta e nela o belo poema nunca esquecido. A felicidade comparada ao nascimento do primeiro filho, o usurpador, que agora a abandona no asilo aos cuidados de mãos estranhas. A felicidade como o pote de ouro do outro lado do arco íris. Nada mais quis. Somente a vivência das suas incertezas como medida necessária de busca. Viveu como se a todo instante o sabiá anunciasse a aurora, sem pressa, sem ânsia de vontade de saber qual será o próximo passo. Não. Não buscou antecipar acontecimentos, nem sofreu quando chegaram; viveu. E como Sêneca, o filósofo, viveu em toda sua inteireza os presentes da vida.