Quando Ele vem até mim
Imagine um mundo onde os sentimentos sejam personificados. Onde eles sejam pessoas, assim como nós. Um mundo onde a Morte é uma mulher bonita, a tristeza uma criança com frio, e o Amor Próprio um homem de negócios.
Embora Ele se esconda com muita frequência,
às vezes em lapsos, me aparece.
Senta à mesa, toma um chá enquanto me fita com seriedade,
Com uma áurea que parece até uma negociação de um contrato que tenhamos feito em algum dia,
lá nos primórdios da criação.
Ele vem em um terno cinza claro,
geralmente cruza as pernas ao sentar, assim como eu.
Que delírio não? Eu poderia dizer que o meu Amor Próprio se personifica em um homem adulto, na faixa dos 35.
E apesar de fazer a pose, ele não acende nenhum cigarro na minha frente. Não quer me dar mal exemplo.
Mas nós conversamos de igual para igual, ele me respeita como uma sócia co-fundadora da empresa "minha vida".
Ele me apresenta relatórios, diz que com base nas estatísticas da minha vivência a decisão X é a melhor a ser tomada, nas devidas circunstâncias.
Ele fala com a confiança de quem sabe que será ouvido ou, no mínimo, cogitado.
Ah... Eu não vou mentir, sempre que ele surge assim para uma reunião, ele me convence a tomar decisões demasiadamente difíceis,
E eu
As tomo, chorando.
Mas o que seria de mim sem ele? Eu estaria provavelmente vagando em algum lugar que não é meu, sem nenhum sorriso no rosto.
Na verdade, eu não me importaria se ele me visitasse mais vezes,
talvez de uma forma mais descontraída,
Talvez chamando para jogar futebol de botão?
Ou, me chamando para aprender a desenhar de novo, porque já me esqueci.
É que fico meio triste quando, depois da minha assinatura, ele recolhe os contratos da mesa, os guarda na pasta preta e se levanta para ir embora.
Nós nunca, sequer, nos abraçamos.
É sempre com um aperto de mão, uma fitada a mais nos olhos claros e um "até a próxima, baixinha".
Ele se importa comigo mas, não somos tão íntimos.
Porém eu deixaria uma dedicatória a ele, se um dia eu escrevesse um livro.
Eu sei que ele iria ler, dar um sorriso de canto de rosto e talvez resmungar "aquela menininha..."
E eu iria dormir contente, pensando sobre isso.
É um prazer tê-lo aqui, querido Amor Próprio.