EPIFANIA NO SUPERMERCADO

Vi-te no supermercado...

Cabelo primoroso feito pelo ourives do céu. Como uma catarata de ouro junto com diamante em pó. Refletia a luz artificial do recinto, espelhando também o silêncio das vozes dos corações ensimesmados. Quando foi ao caixa para efetuar a compra, testemunhei que estavas oculta para si mesma. A jovem atendente, menos alva e bela materialmente, tentava permutar o que não é produto: um olhar fraternal, uma palavra doce... em síntese, o ouro verdadeiro, o alimento que sacia. Ríspida e prontamente ofereceste os vocábulos indispensáveis. Ou melhor... menos que isso... Uma expressão gestual talvez tão pobre de ser, quanto a pobreza da atendente de ter. Um exalar silente, mas eloquente de quem se sentia superior. Não cumprimentou, não comungou, nem agradeceu. Diferente da atendente, límpida e serena, bem como não contaminada pela escassez de suavidade que recebia.

Vi-te indo embora. Tatuaste teu vácuo em mim. Deixavas de ser bela, mas não deixavas de ser minha irmã. Deus em mim queria teu melhor, teu vôo para ele, teu sorriso dele. Não tive a ousadia de te seguir e perguntar o que era o amor pra ti. Ou melhor... o que é a vida, o porquê de estarmos aqui. Queria te agredir com o naco de ternura que existe em mim. A pequena chama do meu coração queria acender a sua. E unirmos em fogueira com a atendente. Pois, senti o que senti porque sei que somos um. Não apenas seres separados em si. Ou peças de engrenagem sem razão de existir...

Rafael Gustavo Vieira
Enviado por Rafael Gustavo Vieira em 31/10/2023
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