[A Poética das Águas: A Fuga na Correnteza]
Fugiu, foge sempre...
Sim, pelas brechas do meu descuido,
fugiu de mim o sono, o sonho, o sorriso.
as águas diluíram minha sombra,
os meus olhos dançaram na correnteza
como se eu estivesse bêbado.
Escapou, escapa sempre...
Sim, feito o morcego que desvia das traves
e voa para a mescla da noite e do dia,
escapou-me o sossego do espírito —
voou sobre os campos, sobre a cachoeira,
e ficou agarrado na casca da cigarra,
virou nada, virou morte seca, seca...
Morreu, morre sempre...
Morre na garganta o meu grito,
devo conformar-me com restos,
Cheguei tarde no mundo.
Ou não... ou cheguei no futuro
de onde eu deveria chegar?
Quem sou eu, senão um passageiro
correndo de si o tempo todo?
Vórtices líquidos...
Eu vinha rodando rio abaixo
a minha balsa era a morte,
eu navegava num boi morto;
o absurdo é matéria poética.
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[Penas do Desterro, 06 de dezembro de 2007]