EU, MAR, NA TSUNAMI DOS HOMENS...

Do desabafo dum mar...

Naquele dia tudo parecia normal em meio às minhas águas brandas.

Despertara eu sob uma manhã que surgia, sob a luminosidade dum mesmo sol quieto, morno e preguiçoso, onde nunca me houve pressa para repousar minha resiliência e/ou acalmar algumas das minhas ondas mais atrevidas.

Às noites, eu costumava marulhar meu silêncio inquietante às estrelas cintilantes que prateavam minha imensidão.

Sempre mantive disciplina na minha colossal força, a de ir e sempre voltar, a reverenciar as ordens da Mãe Lua, gestora dos meus exatos ciclos de movimentos precisos.

Sei que, sendo forte, é preciso muita responsabilidade para coexistir.

Por tal, nunca me atrevi, sem justa causa, a invadir as demarcações da minha Natureza.

Se tsunami fui um dia, decerto não foi por vontade própria...vontade sempre contida.

Eu, Mar, até então, balançava apenas às ordens dos ventos organizados, a reverenciar a brisa que ora soprava sobre mim, a oxigenar a Terra, a acolher e acariciar a fragilidade dos corais cravados nas profundezas da minha biodiversidade essencial, base de toda a minha existência fundamentada e consolidada.

Eu Mar, nunca tive a cruel intenção de fazer mal a ninguém.

De longe da minha imensidão, sempre de bordas infinitas, onde vez ou outra cartas de navegação operam no horizonte sempre debruçado sobre mim, eu apenas observava os movimentos do lado de lá, na dita fronteira dos Homens, donde se ouvia histórias , donde nunca conseguia eu compreender o cenário do que ali decorria...

Na praia dos Homens, mais tarde eu aprenderia, sempre há um obscurantismo cármico a ser implodido sobre o todo.

Às vezes, eu Mar, ainda que na prudente consciência de mim mesmo, também ouvia, sim, algum burburinho do entorno e , confesso, muitas vezes senti medo da insanidade dos Homens que ali pudesse vir a ser encenada,.

Eu ainda não sabia que as implosões da Humanidade nunca têm fronteiras, tampouco limites.

Certo dia, no silêncio da noite, senti um movimento anormal da vida do meu entorno, como se todos dali já intuíssem algum acontecimento tragicamente extraordinário.

Tudo se agitava...

Os ventos sopraram forte, os peixes se trombavam, os tubarões tremeram, as baleias se recolheram da superfície, as algas murcharam, as gaivotas silenciaram, os corais empalideceram ainda mais, as sereias emudeceram; senti toda a biodiversidade oceanográfica se apartar dos céus...daquele que sempre fora um dossel sobre toda a nossa pacífica coexistência.

Em meio à amedrontada elevação das minhas águas, de repente, um clarão fumegante iluminou nossa noite acima, míssil a atear fogo num céu inocente, cujas chamas se misturavam às magníficas cores dum crepúsculo quase ido.

As estrelas imediatamente se desligaram. A noite se fazia única.

Todos fecharam os olhos e aceleraram os seus assustados corações.

Naquela noite, eu Mar, inocente mediterrâneo ao todo, conto que fui arrastado para a insana e perene guerra dos Homens.

Quando abri meus olhos enxerguei o que até então parecia ser impossível: toda a minha essência havia sido queimada.

Foi quando entendi que, na nunca fundamentada TSUNAMI DOS HOMENS, a nada nem a ninguém é permitido sobreviver...

Então, assim caminhamos: Terra e Mar, juntos e para sempre, num incontido e agitado MAR DE LÁGRIMAS.