Carência e Mar

Acho que tava pensando, sabe

comendo bolo com chá sem graça

de que maldito-bendito lugar vem a carência

quando surgiu aquele arrepio

de pressentimento para trás

lembrança de algo que não tive

e mesmo assim fugiu.

Noutro lugar tão perto-afastado

eu também sentia está dor ardente

mas era diferente

porque não tinha a solidão a me lembrar

desse meu estado miúdo de gente

dessas vestes rasgadas que visto

dentro deste hotel de cristais.

E muda tudo de novo

ou mudam ou mudo

e a fulana fica escondidinha lá dentro

feito coisa velha em porão

cheia de poeira

pronta para surpreender

quando nossa lembrança sem modos

nos faz descer as escadas, reencontrar…

Vou arrumar a mala de novo

voltar pro meu cantinho antigo

e não sei se vou ter coragem

de sair de novo, sozinho

de escutar tantas vozes

de ver tantas gentes

que falam longe

que fazem coisas

que não são mais minhas.

Não faz mais diferença, sabe

novas estadias, até prazerosas

amortizam o veneno da picada, dói

no entanto, como dói

quando a tranca abre emperra fecha

noutra luz de sol escorregadia.

Carência não tem cura, eu acho

porque é toca de tatu

que fura fura e mais fura ainda

lá no fundinho da terra.

Reviro a mala, arrumo desarrumo

e no final tudo cabe

de volta no seu lugarzinho de sempre

roupas sujas dentro de muitos

saquinhos de mercado, bem leves

que sempre voam

em qualquer ventinho que chega,

junto às roupas ainda limpas

bem dobradas mas já sem perfume

e as meias, estas sempre nos cantos.

E arrumei uns biscoitinhos pra viagem

que é tão longa - passa nunca

quando se tem pressa de chegar

e vejo o mar mais uma vez

pela janela

tão bom ver ele assim tão grande-perto

porque algo só é bonito, sinto

naquele instante infinito

que guarda o nosso desejo

lindo-infantil de possui-lo.

@alex.teixeira73poeta

Livro: COMIGO E A GURIA - Poesia (AMAZON), Alex Teixeira, editora Metamorfose.