Fantasias d'Africa - linguagem rural
Fantasia d’África
Amélia Luz
Que confusão! A bezerrada vazou a cerca, nem sequer leite para o café, tudo perdido! O bolo ficou solado, o feijão queimado, a goiabada passou do ponto, o queijo azedou na despensa...
A vaca malhada perdeu a cria e o alazão do Fonsinho saiu em disparada pela estrada da matinha.
O sol se escondeu de repente e a casa ficou no escuro! O patrão pão-duro, não comprou a vela, nem querosene para o lampião. Tudo na contramão!!! A menina tagarela perdeu a chave da despensa. Todos ficaram sem alimento!
Um enxame-formigueiro invadiu a sala assustando a família. Entornou-se o tinteiro na mala, manchou o linho branco do enxoval e Mariquinha chorou de tristeza!
A roupa lavada sujou no varal, era dia de forte temporal! O padre, com preguiça, não acordou, nem rezou a missa! A noiva arrependida fugiu do altar o sino não tocou no cruzeiro e o Sinhozinho perdeu todo o seu dinheiro...
O forno não assou o pão, o cão não latiu no quintal porque comeu todos os ovos do galinheiro. Os ladrões entraram e levaram a canastra de joias. Não teve omelete quentinha, o fogão ficou apagado, a lenha estava molhada, depois do temporal chovia fino no telhado cheio de muitas goteiras...
A Sinhá nervosa rezava ladainha na hora dos anjos, no cair da noite! O patrão emburrado cochilava na cadeira de balanço com o cachimbo apagado no canto da boca. A cozinheira parecia encantada, vagava pela cozinha balançando os beiços, zangando com a meninada que não parava de pular...
A chuva caiu pesada estragou a horta, derrubou as frutas do pomar e ainda devastou todo o milharal e as bonecas de milho estão todas perdidas no chão.
O carrilhão carrancudo batia compassadas as dezoito pancadas da Ave-Maria!
A família se recolheu quietinha pensando na dureza da vida. Rezaram o terço e fizeram a reza para Nossa Senhora.
Era sexta-feira, dia treze na folhinha... Que azar, que desgosto! Era também, mês de agosto! Não era encosto nem mera superstição, tudo que aconteceu foi “coisa feita”, depois da “benzeção” a velha Carola disse com autoridade batendo seu galho de arruda:
- “É tudo inveja mermo, ôio gordo, mau oiado e fizero feitiçu na incruziada pra prijudicá o patrãozinho. Vamu fazê pinitença prá tudo vortá ao normá. Minha santinha patroinha vá correno no artá da capela du cruzeiro e coloca um vaso de fulô pra mode agrada a virge, rezano de jueio, novi avimaria e a virge do céu há di abençoa e tudo há de passa! Faiz uma premessa de passa sete ano sem cortá us cabelo e a cum sacrifiçu esse feitiçu num ganha força e nem mardade contra ôceis tudo. Inveja é coisa pirigosa mas com “benzeção” o mar si afasta da casa dos patrão e a Fazenda São Jorge fica livre de toda mardição. Bota um patuá nas criança, na patroinha e nu patrão prá mode num havê mal oiado” (Tradição oral – linguagem rural dos escravos com suas mandingas africanas.)
E todos respeitavam os conselhos da Nhá Carola pela sabedoria que tinha aprendido na tradição oral, trazida pelo seu povo sofrido nos porões dos navios de escravos da África. Além do mais ela era parteira de mãos cheias e toda a criançada da fazenda e vizinhança tinha vindo ao mundo pelas suas mãos santas. Curava o umbigo, dava banho, cuidava das sinhás, fazia canja de galinha preparava tudo e quando a cegonha chegava trazendo mais gente nova para a sua alegria, Nhá Carola sorria mostrando os poucos dentes que restavam, num sorriso puro de quem só aprendeu a servir na vida.