O monstro
Hoje eu chorei pensando em mim mesmo, devo ser uma pessoa horrível. Em todos os aspectos, me sinto uma pessoa horrível. Meu incontestável histórico de afastar todas as pessoas que me amam atesta essa certeza: morrerei sozinho? Depois do choro lembrei de um evento da minha infância, uma menina chamada Júlia (branca e loira, logo: bonita) ao descobrir que eu gostava dela, me disse “tira essa máscara que o carnaval já passou”, e eu fiquei desolado, me senti um monstro. Contaram a ela da minha paixão porque sabiam qual seria o desfecho, afinal, como uma pessoa como eu pode ser amada? Sou um homem gordo e preto, luto para convencer-me de que isso não é um problema, mas tudo ao meu redor parece me dizer o contrário. Parece que tudo seria mais fácil se eu fosse uma pessoa diferente, se eu não fosse eu, mas eu quero ser eu, e isso é um paradoxo: desde a mais tenra idade eu comparo a minha imagem à das mais horripilantes criaturas, mas me esforço para não me assustar com minha aparência ou personalidade. Tento ser genuíno, mas quando as pessoas olham para mim elas se assustam, e quando olham para o que sou por dentro, elas fogem. Julia me convenceu de que eu era um monstro, desde então, acho que tenho agido com um. Não consigo mais pensar que não sou uma pessoa horrível, só me resta o choro.