SILÊNCIO REFLETIDO

SILÊNCIO REFLETIDO

“Contra o silêncio e o ruído invento a Palavra, liberdade que se inventa e me inventa a cada dia.” (Octavio Paz)

Deitei a toalha branca. Levantei a bandeira. Corpo a corpo reclamei os horizontes tão vislumbrados, mas tão pouco alcançados. É o cúmulo do descompasso ir na contramão de si mesmo, um exercício para que tudo seja reparado. E aqui estou a ancorar numa identidade sem forma, com sensação de mea culpa por fraquejar no autoconhecimento.

Esta é a história de todos que almejam não viver de repelências, que se impõem constantes catarses para sentirem-se renovados. Sei que isso pode representar ascensão ou queda, mas não imagino um pulsar mais significativo do que aquele buscado no tumulto. Talvez seja assim como uma águia se sente ao cair veloz em busca de sua presa.

Há noites nas quais um vazio se sucede de tal forma a me fazer me contrair e não saber o que expulsar. É como se uma partida não tivesse ocorrido plenamente. E nas palavras labuto a regurgitação diária de sentimentos diversos que nem ouso pensar por medo ou imaturidade.

Como quebrar um silêncio de diamante? Por que considero desconfortáveis o indizível e o indecifrável? O insustentável peso de ser e de não ser. Seria impiedoso comigo mesmo exorcizar todos os demônios que me sustentam – esse pilar, esse cálice transbordante de fé, na crença de que a lucidez se mantenha até beirar uma loucura.

No mais, todos temem deixar projetos em aberto, porque nunca se vive por inteiro e não se pode vislumbrar nada além de futuro, pois o passado já não significa – é só abstração de um “quando” e de um “como” tudo começou, mas que nunca se findou por estarmos presos a algo que foge à nossa percepção.

Como somos vulneráveis diante desta amplidão que logo fenece e nos escapa, nos define e nos limita. Só peço para conseguir andar, ainda que o fastio ecloda em momentos mais inoportunos, quando geralmente estamos desavisados e nenhuma carícia consegue suprir. Aquilo que tanto nos apartou talvez seja apenas um detalhe que o orgulho nos impede de enxergar, mas perdura como uma ferida incicatrizável. Não capto mais histórias, apenas fragmentos. Meu maior desejo é construir um mosaico coerente com peças aparentemente tão sem nexo. Em tenda.

Penso. Como éramos nós dois no ermo espaço de tempo em que estávamos atrelados às nossas escolhas, procurando nos reconstituir passo a passo, mas sob um prisma involutivo. Mas eu não era tão meu, porque não sabia me pertencer e então vagava para meditar sobre o impacto da realidade – não formávamos um nós – sequer um egoísmo a dois. Eu, nos meus livros. Você; enclausurada na cruz e na espada de seus familiares dotados de egos descentralizados.

Ser erudito não era mais do que uma maneira de me esconder para que eu mesmo não me encontrasse e não ficasse atônito por não conseguir me conciliar com os contrários. Porém, não foi por isso que a perdi, porque ganhei nessa absolvição dos meus pecados. Seus seios já me provocavam uma inanição, pois nestes não encontrava mais nenhum consolo. Nunca fui homem de promessas, porque estas só existem para não serem cumpridas. Estava eu na labuta diária para que o alimento que não nos faltasse fosse a mais poética das situações as quais não se situam em nenhuma cama.

Desfrutar do sexo por obstinação, transar por dever à genitália. Qual gozo havia na tarefa de se metamorfosear numa marionete de desejos? Rendimento. Submissão e irracionalidade. Trancas nas portas, mudanças de chaves. Uma rede armada à revelia de raros momentos de descanso, nos quais se acreditava na continuidade da existência.

Não queremos escrever o nosso epitáfio sem conjugar a saudade. Tenciono reaver o tempo, refletir sobre o que não realizei, imaginar, criar e me consentir, sobretudo por, aos poucos, voltar a casa. Se estivéssemos prontos para algo que transpusesse a ordem da carnalidade, não teria me martirizado, tampouco me rendido como quem recebe voz de prisão sem saber os motivos de tantas acusações. Jamais fui visto de perto, reconhecido por uma face oculta, observado por diversos ângulos. Fui apenas um vulto de interpretação.

Leo Barbosa é professor, escritor, poeta e revisor de textos.

(Texto publicado em A União em 08/09/23)