Desvirtuoso aceleramento cardíaco

Cruza, de ponta a ponta, o caminho que se desvela em linha reta. Esfarela a sola dos sapatos talhados por lembranças outras, em estradas outras, em lugares outros, e enquanto percorres o caminho de agora, pensa que de memória se alimenta o bicho que vive à espera de um descuido teu para abocanhar-te o juízo e matar-te o medo do desconhecido. Pensa que se de coragem viveres, sem jamais imaginar o porvir, vais sair à rua de cabeça nua e desavisada dos sinais do mundo, e vais ceder tranquilo às tentações de um inimigo chamado destino.

Desatino.

Já eu, desde menino que sofro em cânticos, à revelia dos insensíveis. Minha natureza é disfuncional. Cantarolo versos desafinados e escrevo poemas tolos. Sou mesmo um estranho. A carta mais subjetiva de um baralho cigano. Um andarilho teimoso, fervoroso defensor de curvas sinuosas. A linha reta, para mim, é um desperdício de raciocínio. Não consigo viver à margem da disritmia, alinhar palavra e etimologia. Quero afrontar retas planas, caminhos que não precisam de bússola. Quero saber de mim ao longe, quando me ouvir gritar à beira de um barranco e um eco me responder dissonante. Arrebata-me um desvirtuoso e viciante aceleramento cardíaco.

Eu preciso disso.