[A Ofensa a Esquecer]

[Revisitando a Travessa Assunção, no. 68 - Araguari - MG]

Dezembro, ó dezembro... Aquela casa era só um ponto no universo, vejo-a, ainda hoje, cravada na Terra, vejo-a com os olhos do Físico da Astrofísica, girando, girando na vastidão do espaço infinito — sei muito bem dar pelo Nada que eu sou!

Em dezembro, naquela casa simples, a doença entrava pela via da pobreza, da falta de meios com que lutar, do estupor dos fatos inexoráveis da vida...

Minha mãe, doente, com rodelas de batata na testa; no fogão de lenha, as cinzas frias e as três panelas de ferro aguardando o fogo que não virá; no quintal, o machado cravado na tora de lenha, na cozinha rústica, a mesa escura, vazia, e as duas prateleiras com alumínios silenciosos.

E eu, vitima de uma alegria incutida, esperava algo que o espírito de Natal pudesse nos trazer; mas, amanhecia com o sol do Planalto iluminando tudo do mesmo modo que em todos os ontens... Dura decepção, ingênuas esperanças frustradas, e no espelho do armarinho do banheiro, eu via os meus olhos castanhos, chorando... desgraça só me endurece, não me mata!

Eu reagi daquela barbaridade que me incutiam: Bertrand Russell ensinou-me a ser crítico, ensinou-me que se pode haver uma coisa sem causa, tanto pode ser o mundo, como deus — uma pedrada da Razão na base do edifício do mito, e a semente da minha vontade de me tornar o cientista que sou!

E foi só então que eu me vi, no meio da igreja, orando para o vazio acima de mim; senti vergonha da minha ignorância, senti vergonha do meu medo de morrer, pus-me de pé, parado contra os ventos, e nunca, nunca mais voltei à igreja!

Para mim, o tal do Natal é a mais grave ofensa, é o mais sonoro tapa estalado na cara, a mais cruel hipocrisia que se pratica contra os pobres!

[O meu tributo à memória de Bertrand Russell: com a liberdade de pensamento que aprendi em seus escritos, criei os meus filhos longe dos mitos, e sem o capacete de ideologias ou de religiões!]

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[Penas do Desterro, 21 de dezembro de 2007]