Prólogo pró-logo de Joaquim Bento Ribeiro.

Aquele chapéu surrado na cabeça era marca registrada do homem franzino banhado de teimosia em viver. Chapéu cor da terra que tanto amava, suor que escorria do rosto cansado e queimado de sol. Homem honrado, de valores firmes inegociáveis, cujas roupas rotas e encebadas eram testemunha fiel de vida dura e simples, digna. Vinha sobre o lombo de seu cavalo, no qual se recusava bater; conversavam e um entendia o outro, cumplicidade absurda que ninguém mais entendia. Chegou na casa simples, apeou , deu logo água a seu cúmplice e arqueado da lida, colocou-se a dentro do doce lar , abriu sorriso lindo ao ver sua Índia velha a lhe esperar!

Ah nego, tu chegou na hora certa! Disse ela.

- Mas o que foi Muié? Tava com saudade do seu véi! Disse sorrindo.

- É que eu fiz um bolim procê, seu néversário uai! 69 primavera do meu preto!

- Ara Muié, não tinha pricisão!

- Tinha sim, eu e seus fi vamo cantá parabéns procê uai!

Os velhos ficaram namorando em olhares, bocas e sorrisos, e meio desajeitados e profundamente íntimos falavam do dia a dia duro e atarefado , da primeira vez que ele a viu na festa do Arraiá! Os filhos foram chegando, parentes e vizinhos se amontoando na casa de pau a pique. Abraços calorosos, piadas soltas , causos do dia a dia e coisas que só a euforia não pode contar, é preciso felicidade!

Pegaram o bolinho de fubá, as guloseimas do fogão a lenha e foram cantar parabéns para Joaquim e exigiram algumas palavras, fala homi!

-uai sô, vou soprá as vela primeiro!

- sopra homi, sopra suas vela!

Encheu o peito magro de ar e soprou !

-Pronto! Ora, minhas vela é eu que vou soprá! Faço questan! Ninguém viveu meus ano, quem haveria de soprá no meu lugá? Eu sei que não foi fácil chegá inté aqui, mas eu cheguei. Quando eu não tivé mais aqui num vo podê soprá. Ceis festeja cumigu enquanto tô aqui, depois qui eu fo, não adianta reclamá. Quando eu fo embora, não agarre triste minhas coberta, num vou mais cobri! Guardá meus lençol se não vou mais deitá? Num adianta garrá em nada. Desta vida a gente só leva a vida que leva, nada mais além da conta que com nossinhor nois vai acertá. Eu soprei minhas vela, agradeci e soprei com força primode o barco i um poquim mais longe se nossinhor deixá!

Obrigado a Ceis tudim qui tá sempre aqui comigo, porque quando eu parti Ceis vão lembrá do que nois viveu e não do que nois não viveu. Sardade não é remorso, sardade é querê bem, é querê vivê tudo de novo ,mesmo não podendo, mas nois qué, porque foi bom, né. Já o tar do remorso é dilorido por dimais, é senti arrependimento por não ter feito o que deveria ter feito, mais nois ficou com orguio besta e num fez. Brigadu Ceis está sempre cum eu.

E aquela tardezinha na roça entrou na eternidade, nenhum deles está aqui mais para contar.