A Intrusa
Às vezes a prosa me brota, como brotam as flores no solo infértil. Como se fosse possível fazer o impossível acontecer. Como oásis num deserto. A prosa aqui está, rasgando o poema ao meio, abrindo estradas onde antes ninguém passou. Criando raízes nesse coração poético onde a alegria busca um cantinho. Onde a felicidade segue sorrateira, se esgueirando pelas frestas, como a prosa nascente que insiste em caminhar. As palavras vão cruzando às cegas em busca de sentido. Não há enredo, nem verdades. É o novo mundo colonizando terras inabitadas. É a estranheza se fazendo bela e presente, intensa e sorridente. É o exercício de ser. O existir sombrio do que se guarda em segredo. É verbo latente. São desconexos amores se construindo em saudades. Os afetos requeridos, a atenção negada. A prosa insiste, grita insana, querendo aparecer. Sobe ao palco, discursa um "estou aqui e não me vê" indignado. Ela quer ser minha, mas não há de brotar em outros rios largos, em outros risos francos. Em selva, em si a prosa é apenas o que nunca foi visto aqui. E ela persiste nessas palavras. Quer se realizar. Fantasma de mim quer materializar-se em sons e cantigas. Não quer ser esquecida. A prosa aqui está. Exatamente onde lhe falta os sentidos. Não pode ser tateada, é puro oxigênio. Não pode ser vista, é toda feita de ilusão. Não pode ser ouvida, música nunca foi. Não pode ser voz, pois é somente palavra. Ainda não exala o perfume das flores prontas, é semente apenas. Moça atrevida nos tempos primeiros da juventude. Mas de tudo é feita, construída no surto criativo do poeta. Farta de anseios. Repleta de desejos. A prosa desfila solene entre as trincheiras do amor. É o estilo que não cabe na métrica algoz. É livre. Sai por aí levando as palavras como um menino conduzindo sua pipa, de olho no céu, observando sua criação ganhar asas.
*Si*