Janela do Ônibus
Embalado pelo trotar do ônibus
imaginei como seria bom revê-la,
segurá-la suavemente pelo rosto
e dançar o tango das coisas não ditas.
Me prostraria até que nossas faces
orbitassem o mesmo centro gravitacional
e, ao ouvir o tambor em nossos peitos,
suspiraria em seu ouvido: o tempo passou.
Agora, os postes da avenida noturna
são faróis que nos guiam à memória
de uma miragem bruxuleante, nada mais.
Seus lábios, que eu nunca beijei,
tornaram-se as luzes do semáforo
quebrado daquela esquina vazia.
Esquina de luzes ignoradas. Plena ignorância.
Talvez por medo de parar e perceber
que a estrada do passado dissolveu-se,
assim como nós. Assim como as manhãs
em que acolhi a alvorada sem recear o mundo,
pois o mundo acolhia sua beleza e isso já bastava.
Mas, hoje o mundo não mora em sua imagem.
Mudou-se para os aposentos da retina
com a qual encaro o banco vazio
e as mãos que afagam o inexistente.