Surdez
Sem paciência comigo mesmo, sentindo autodesprezo mais forte que a calma. O dia é uma carniça podre, inserido num espetáculo de urubus. Cada segundo uma trama nova, uma dilaceração mental. Sigo raciocinando neste círculo perpétuo.
Estou surdo de um ouvido. Escutando ruídos dos meus próprios pensamentos. Constantemente digo: “o que você disse?'' “hein?” “falou algo?”. Finjo não ouvir as besteiras desta minha vida. A própria ignorância chamuscada pela consciência vive falando.
Sigo, por hora, vivendo sem conselhos; sem o badalar das músicas, a não ser as repetidas. Cultivando na surdez a serenidade da ausência de alguém. Enlouquecido pelo este não alguém. Tristeza e raiva gritam comigo, mas se gritam, eu as ouço como quem ouve os sermões da montanha.