Sofrimento Estelar: a divina dor irreal
Depois de vagar pelas dimensões oníricas da alma transmigro-me para a realidade empírica a qual chamamos de real: acordo, abro os olhos, sinto que não durmo, estou sempre desperto...
A aurora ilumina a ouro o mundo que do sol bebemos a alma. Sento-me diante de sua luminescência e fico a sentir sua energia silenciosa que me esquenta e acalenta... então, como se do nada viesse, nasce-me um pensamento luminoso como uma estrela no céu de mim mesmo. Observo-o... assimilo sua essência, empresto-lhe uma interpretação, transpondo-me a alma criadora de ficções ao coração da ideia que, transfigurada na alteridade de um sujeito fictício, inventa um mundo que nunca houve...
Assim falou a fábula: - Oh, Pai... que seria de Tu não fosse aqueles a quem ilumina! Que seria de Tu sem Eu? Que sou Eu sem Tu? ...
Tu, em sua imensurável potência, não és o mais pobre de todos os pobres?
Quão efêmero Tu seria não fosse cada criatura que vossa alma alimenta! Vagaria sem sentido, desperdiçando sua essência sem ter a quem. E quantos, oh Pai, não são escolhidos para este destino supérfluo de existir sem ter a quem iluminar! É triste a sorte destes deuses que brilham pra ninguém.
É curioso como a vida é paradoxal, invertida, reflexo no espelho desta minha perspectiva... Hoje, tudo que para mim é rico, se torna pobre, tudo que hoje é grande, se torna pequeno.
E Tu, Pai, és o mais pobre de todos os infelizes; pobre de tanta grandeza, pois necessitas da menor criatura para que vossa felicidade tenha algum sentido - felicidade que só é real quando partilhada.
Não é o mais rico de todos - o mais pobre dos pobres? Doar não é também uma necessidade? E de todas as necessidades a mais imprescindível? Não és o necessitado dos mais necessitados? Dar não é a maior necessidade?
Oh, meu Pai, eu conheço vosso coração! Eu também sou um miserável... pois sou teu filho, e se neste mundo brilho, é para partilhar minha luz com aqueles dos quais minha vida perderia o sentido, pois de mim eu nada posso fazer, doar-me como pão da vida é o que me faz Ser...
Oh, Pai, se existisse Deus, não seria Ele o mais pobre de todos os Seres? O mais necessitado?
Criaria-nos para que pudéssemos nos alimentar de seu espírito, daria-nos amor, sua alegria divina sem suas mortais criaturas não teria valor.
Oh, Deus que não creio, infinita seria sua grandeza e eterna a sua necessidade de ter a quem partilhar sua eternidade, ainda que fosse apenas pelos olhos de um mortal como eu, que só pode vislumbrar no átimo de um instante sua solidão universal! Oh, Deus dos deuses, eu conheceria vosso coração se Tu existisses! Infinita seria vossa inconsolação. Porque, meu Senhor desconhecido, veja se sondei bem as entranhas de vosso coração irreal - se fazer mortal seria a única coisa que vossa onipotência não pode ter. Tu seria aquele que carrega a maior dor, a dor de ser único, a profunda e eterna solidão; e se nos deu a vida para morrer seria por amor... não seria? Sim, eu compreendo - nos presenteou com o maior desejo de vosso coração. E quando nos leva de volta ao reino de sua inexistência teu coração sente inveja dos finitos que podem se despedir...
Oh, meu Senhor fictício, como estas palavras me fazem sofrer de uma dor irreal, transcendental! Como é possível que aquilo que nunca será pode ser tão real! Como é possível que lágrimas brotem ao inventar está sagrada mentira de que Tu, Senhor dos inexistentes, meu Senhor, minha luz, minha sombra, sofre por não poder - morrer... ?
D'onde terei tirado isso?
Terei feito tudo isso apenas para dizer que vale, sim! - a pena morrer?
Enquanto isso o sol brilha no abismo sem fim...
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Nota: alguns textos meu são representações metafóricas de afecções relâmpagos que me atravessam num lapso de instante, onde só posso expressar por meio do irrealismo... Há sentimentos incognoscíveis que só podem ser expressos com o auxílio da ficção...