Cortinas e memórias
Abro os braços para o mundo respirando seu límpido ar, e as narinas meditam a permanência do vazio. Na medida do respiro fundo em que os pulmões estão completos, avisto cortinas brandamente bailando ao vento. Brancas e puras cortinas olvidando memórias de outrora. Um tempo antigo onde eu vivia com os amigos soluçando risadas despretensiosas. Época de verão conversando com a janela aberta, papos a esmo desvanecidos naquelas cortinas.
Hoje são tempos mortos. O vento relaxante dos pulmões é o mesmo vento sufocante. A nostalgia é um disparate. Não deveríamos repensar o passado. O que foi, não mais será, e assim, portanto, deveria nos bastar.
Quando esqueço o respirar, sinto-me enrolado em linhas, apertado aos dizeres da vida cotidiana, e nada solto com os sentimentos. As linhas cruzam meus olhos e fazem um labirinto de teias. Creio ser uma presa lentamente devorada pelos anseios do tempo.
Limpo os meus móveis sentindo uma poeira similar. Do nariz suga uma sensação ambígua: vazio com paz. Sozinho contemplo um armário grande, no qual roupas, agora obsoletas, fitam-me neste entardecer. Assim como as roupas, desbotaremos de nossas cores. Mas uma bonança há de recompensar-nos: pessoas abrirão as portas das lembranças. E como a boniteza do universo, seremos o vento sorrindo eternamente ao nosso rosto.